sexta-feira, 30 de junho de 2017

Tourais como Pedrógão

O velho símbolo da Galp, meio desbotado pelo sol e pela temperatura do tempo, avisava-nos da Bomba de Gasolina do Sr. Chaves e representava a saída da estrada nacional rumo a Tourais.
De portão aberto e pleno de fiéis a visitar os seus, o cemitério marcava o início da "terra". Logo de seguida surgia a escola primária, com o terreiro gasto e as janelas ainda decoradas pelo génio artístico dos gaiatos (agora de férias e soltos para preencherem as ruas de vida e, dizia-se, de futuro). A Igreja, grande e bem cuidada, não envergonhava mas também não deslumbrava. As casas de porta aberta ou com a chave do lado de fora, como sempre se usou na Beira. A do Senhor Alfredo, marceneiro reformado e com uma infinita paciência para a pequenada. A do sacristão - sapateiro nas horas de expediente - forrada com meia dúzia daqueles posters da "contradição". 
A da Isaura e a da Lurdes, que sempre as confundi, até porque se não eram irmãs eram cunhadas. A do Senhor Luciano e mulher, cuja enxada à porta assinalava a presença em casa. A do Senhor Professor, a mais moderna e vistosa, que se abria à comunidade em dias de festa. E muito mais abaixo, a do Senhor Elias, o electricista da terra, a do Serralheiro, que nunca lhe soube o nome, e a do Senhor Zé Maria, que fazia questão de não usar a garagem para poder exibir o bólide que, julgava ele, distinguia o seu sucesso.
A vida comunitária distribuía-se pelo incontornável café central (lugar que me intimidava, tal era a densidade da clientela rude e máscula que dominava o balcão e as mesas), pela saudosa Casa do Povo (onde não faltava a assistência médica), pelos tanques comunitários, pelo salão do clube (com um símbolo igual ao do Belenenses), e pela venda (como se chamava às lojas onde havia de tudo, até porque tinha mesmo de tudo, incluindo o marco do correio). Os mais novos, por regra, ora gozavam dos baloiços junto à Casa do Povo, ora disputavam o ringue onde se jogava futebol junto à capela nova e ao recinto das festas de São Matias (não me lembro de alguma vez se jogar naquele campo de futebol de 11 no meio da mata e já fora da povoação).
E a nossa casa? Era a nossa casa. Talvez a maior e a mais antiga. Mas era a nossa casa, que se há-de dizer mais?

Passados 30 anos, não é bem saudade o que sinto. Quer dizer, tenho saudades, mas animam-me mais as preocupações. Ouço histórias de terras sem gente. De campos por cuidar, de matas por limpar, de casas por abrir.

E hoje somos sobressaltados pelos pedidos de ajuda por atender. Pelas horas de abandono porque não há quem acuda nas proximidades. Pelas vidas dos que resistiram e acabam levadas pela catástrofe. Se em Tourais - a minha Tourais - ocorresse uma dessas catástrofes (e Deus sabe as temperaturas que por lá experimentamos) imagino o mesmo desespero. As mesmas estradas por cortar (porque o posto da GNR é também longe e com pouquíssimos efectivos). A mesma fuga desesperada dos que por lá resistem. E a mesma demora dos homens voluntários que, ao som desesperado das sirenes, viriam estafados da sede do concelho.
Já não está lá quem outrora arregaçaria as mangas. Nem o Senhor Alfredo. Nem a Isaura. Nem a Lurdes. Nem as crianças da escola. Nem os homens rudes e intimidantes do café central. Nem as mulheres que enchiam os tanques comunitários. Nem o sacristão. E os filhos não ficaram e já nem visitam a terra. Sobra o Elias, o Professor (sem os três filhos e já sem os sogros que Deus levou), o Senhor Chaves (que transformou a sua bomba de gasolina numa verdadeira estação de serviço na estrada nacional), mais meia dúzia de resistentes e a nossa casa. A casa grande e mais antiga que com amor vamos vivendo e melhorando. Pouco mais sobra. E enquanto sobra, pergunto como havemos de cuidar deste património que é nosso se estamos entregues a esta sorte?
Tourais podia ser Pedrógão. Porque Tourais está como Pedrógão. Sem os seus. Sem os filhos dos seus. Sem crianças. E sem Estado.

Saladeestar

sexta-feira, 23 de junho de 2017

S. João – a ti me escravizei


Não estou no mood ideal. Esta coisa de 64 dos nossos terem partido, em circunstâncias tão horríveis, e tudo o mais que por lá se passou e passa, não me sai da cabeça. Mas ainda assim, cá vou eu para o meu São João.

Eu gosto tanto do São João!
Dos arraias mais ou menos espontâneos. Da cidade dominada pelo seu povo inteiro. Dos novos, dos velhos, de todos mesmo, entregues a uma festa livre. Das cervejas ou dos sumos. Das febras e das sardinhas. Da música e das luzes. Dos bailaricos e das caminhadas. Dos martelos e dos alhos porros. E, sim, das fogueiras e dos balões (algo ficará por cumprir quando olhar ao céu e o vir despido da nossa tradição).

São João, aqui me tens. «A ti me escravizei», como dizia Torga sobre a poesia.

Bom São João a todos!


PS. Eu sei o que é ser desterrado neste dia. Sei o que custa não estar cá para quem é de cá. Sei o que é passar pela tortura de imaginar como estará a ser, como se estarão a entregar os «nossos». Sei o que é substituir esse aperto e saudade pelo exercício de recordação de tantos São Joões vividos. Tenho uma mensagem para esses nossos: venham mesmo. Deixem-se de secundarizar a vossa presença quando vão a tempo de a garantir. Estamos a um ano do São João de 2018. Organizem-se e venham!

#Saladeestar
#Salaodevisitas

Só me apetece gritar

Morreram 64 pessoas. 64 pessoas. Já nem falo das centenas de feridos, dos desalojados e da área ardida (que já chegariam para nos indignar). Morreram 64 pessoas num incêndio em Portugal, há meia dúzia de dias. Ainda estou incrédulo e indignado. E como se não bastasse o próprio Ministério da Administração Interna não sabe – não sabe! – quantos serão os desaparecidos. Estamos a falar de pessoas.

Com uma catástrofe de tamanha dimensão não podíamos exigir menos que comportamentos irrepreensíveis das nossas autoridades. De todas.
Das autoridades de comando – político, de segurança, de socorro, militar – a quem se exige um comando forte, firme, seguro. E até inspirador, porque o momento não é para menos. Mas não tivemos nada disto. Só me apetece gritar. Não temos nem tivemos voz de comando. Já tivemos contradições que cheguem. Já tivemos até contradições infantis, próprias de quem está mais preocupado em se autojustificar e olha à verdade como um pormenor que pode ou não ser útil (a história pronta da árvore cortada a meio por um raio é quase um ícone desta tragédia). O Estado, no seu desnorte, nem sequer compareceu ao funeral das primeiras vítimas que foram a enterrar.
Não sei que diga. Sinto-me um cidadão desesperado. Só me apetece gritar.

Ainda teremos de ir mais a fundo (para percebermos a política de cortes ou não cortes na prevenção, de cortes ou não cortes no dispositivo de combate aos incêndios, de cortes ou não cortes na manutenção de sistemas de segurança). Mas não nos libertam da sensação de que o IPMA falhou, o SIRESP falhou, a GNR falhou, de que não temos nem tivemos MAI. É tudo tão grave que a exigência de responsabilidades (a todos os níveis) soa-me a pouco.
Mas neste momento – que ainda é o da prevenção imediata da propagação, e de reacção e combate ao fogo – fico-me pelo grito que não consigo conter. Morreram 64 pessoas! Acudam-nos!

#Escritório

terça-feira, 20 de junho de 2017

Que país é este?

Em pleno século XXI, temos um fogo que matou mais de 60 pessoas, feriu mais de 150, implicou já a evacuação de 27 (27!) aldeias. As comunicações convencionais estiveram 2 dias sem funcionar. O SIRESP ou lá o que é, também não funcionou.
Agora é um avião (e suponho que mais uma vida) que caiu.
O fogo lavra há 3 ou 4 dias descontrolado!
Não pode haver falinhas mansas! A ministra (que nunca existiu e nunca devia ser ministra de nada) já devia ter sido demitida. E o centro de controlo tresanda a descontrolo. Que gente é esta? Não quero saber dos briefings e dos coletes laranjas pomposos a dizer «protecção civil»!
Já é terça-feira! Que espectáculo sinistro é este que não somos capazes de resolver?!
Que país é este?

Sim! É a revolta e a emoção a falar! Mas é uma emoção que transborda de razão!

#Escritório

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Ilações de uma catástrofe (IV)

É nestes momentos que sinto o poder do comando da televisão. Vão rareando os repórteres que sabem conjugar a sobriedade, o vocabulário simples, a capacidade de informar. E há canais que não nos sabem respeitar (e nós próprios não nos damos ao respeito, dirão as audiências).
Abomino a exploração do desespero de quem está em sofrimento. Abomino a exploração da simplicidade e menor sofisticação das pessoas. Abomino a exploração da desgraça pervertida em espectáculo.

Ao menos tenho o comando.

#Saladeestar

Ilações de uma catástrofe (III)

Os fenómenos naturais têm o condão de nos convocar para a nossa frágil condição. Mas essa constatação – que, no meio da tragédia e do drama, tem o seu lado saudável – não deve servir (não pode!) para incensar responsabilidades. Ninguém pretenderá imputar os ventos descontrolados, as temperaturas de 40 graus e a trovoada seca (há sempre uma expressão técnica que, a cada catástrofe, entra para o léxico popular). Mas no terreno dos comportamentos, da educação, do planeamento, há seguramente muito por apurar. E, portanto, responsabilidades por atribuir.
Não há fenómeno natural que pacifique uma sã consciência cívica quando, em meia dúzia de horas, morrem mais de 60 pessoas. Não há chuva, não há vento, não há terramoto, que afaste enormes dúvidas sobre a nossa competência colectiva.
Exemplos de catástrofes «naturais» não faltarão por esse mundo fora. Exemplos de uma mortandade a esta escala, num tão curto espaço temporal, em condições «óptimas» como as que se anteviam, não se encontram.
Podemos falar da protecção civil, nos bombeiros, nas forças de segurança. Questionamo-nos como foi possível não se terem fechado à circulação aquelas estradas imediatamente. Suscitamos o debate sobre o modelo de exploração florestar e as espécies de árvores em que apostamos. Podemos discutir a opção de investimento desproporcionada em favor dos meios de combate e não das medidas de prevenção. Mas há ainda um outro debate que podemos e devemos fazer e que se coloca no terreno da educação. Lembro-me muitas vezes daquela criança americana que salvou a sua família no tsunami na ásia porque, ao olhar ao comportamento estranho da maré, se lembrou das aulas de ciências e avisou os pais de que estava a chegar um tsunami. Algum de nós aprendeu na escola a comportar-se num ambiente de catástrofe natural? Algum de nós sabe o que fazer se estiver no meio de um fogo? Alguém aprendeu regras básicas de controlo pessoal?
Não. Não!

Desculpem-me mas esta tragédia humana inimaginável não pode estacionar na nossa indignação estéril. E muito menos pode justificar-se nessa expressão sonsa de «causa natural». Muita coisa tem de mudar. Desde a escolha dos nossos protagonistas políticos, à política de prevenção e exploração florestal, passando naturalmente pela estratégia de protecção civil e de combate aos incêndios. E começando pelas escolas, onde valeria a pena investir no ensino básico. De regras de sobrevivência, por exemplo!

#Escritório

Ilações de uma catástrofe (II)

Se é verdade que nos identificamos naquele abraço, de olhos embargados, de Marcelo à chegada ao local do comando de operações, não é menos verdade que foi penoso o exercício precipitado e infantil em que se lançou de afastamento de culpas de tudo e de todos. Não era ainda o momento. Nem para assacar culpas, nem para as ilibar. Foi triste e infantil. Num momento grave e sério como este, é inaceitável.

#Escritório

Ilações de uma catástrofe (I)

Não temos ministro da administração interna. Já sabíamos que não tínhamos (no Verão já tinha sido tão evidente). Na prontidão, na liderança, na postura, no tom de voz, no vocabulário, enfim, em praticamente tudo. Descobrimos, ainda assim, um Secretário de Estado (Jorge Gomes), no terreno e à primeira hora (como deve ser), a liderar as operações, a reportar quando era adequado, a receber o Presidente da República, e a tomar as dores que todos sentíamos naquelas horas de choque e incredulidade. Já nos vimos habituando à falta de liderança política (de governo para governo vão variando as pastas, mas é demasiado comum termos ministros que não existem porque não podem nem sabem). Vamo-nos habituando, é verdade, mas é demasiado grave esta vacatura recorrente. Se há momento em que se impunha uma voz liderante, com estatuto e competência, este era um desses. E nesse capítulo foi um rotundo fracasso (que se repete a cada briefing).

#Escritório

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Helmut Kohl

Não saberei explicar porquê. Mas quando penso num grande líder europeu – daqueles inspiradores, a cujos textos gosto de recorrer (porque um bom discurso, ou ate um bom programa político, são documentos sempre actuais na sua essência) – não recorro a Helmut Kohl.
Pode ser injusto para Kohl, mas não estaria a ser honesto se dissesse o contrário.
No fundo, a verdade é que (reconheço-o) nunca me senti especialmente ligado, sob o ponto de vista político e emocional, a Helmut Kohl. Mesmo sendo um líder importante, num Estado determinante, e por um período longo e relevante.
Mas esta circunstância não me tolda o sentido de gratidão. E menos me tolda o reconhecimento objectivo da história.
Helmut Kohl foi o Chanceler de uma Alemanha dividida. Foi depois o Chanceler que soube conduzir essa Alemanha dividida à reunificação (aos olhos de hoje, um passo tão óbvio e tão simples, mas que não era nada óbvio nem simples). Foi, também, o Chanceler da adesão de Portugal à então CEE. E foi Chanceler durante 16 anos.
Merece todo o reconhecimento. E gratidão.

#Escritório
#Jardim

«Fazemos sempre assim ...»

Há (ou «à», como se escreve por aí) bem mais de 10 anos (em 2004), quase numa outra encarnação, estava eu a acompanhar o processo legislativo do governo, na relação entre o Ministério da Justiça e a Presidência do Conselho de Ministros (claro que, pelo meio, havia sempre que cuidar das exigências e sensibilidades do todo poderoso Ministério das Finanças).

Um dos processos que acompanhei, volta e meia, vem-me à memória. E nem é por ter sido especialmente complexo sob o ponto de vista técnico – tratava-se de criar os diplomas e demais documentos legais que conduziriam à criação do então novo Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo. Nesse processo inaugurava-se um modelo de cooperação do Ministério da Justiça com a Santa Casa da Misericórdia do Porto, o que implicava atender a algumas especificidades, designadamente com a celebração de um protocolo.
A mim cabia-me rever os documentos que os serviços produziam, fazendo-os seguir, com as correcções e explicações que entendesse necessárias, para a Reunião de Secretários de Estado, primeiro, e para a Reunião do Conselho de Ministros, a final.

Esta conversa não tem interesse nenhum. Só aqui a trago porque, num pormenor ridículo, ilustra bem o subconsciente centralista que atravessa todo o nosso funcionalismo (dos serviços aos governos).

Quando me preparava para dar o ok aos documentos, deparo-me com uma cláusula (já não sei se era um artigo no projecto de decreto-lei, se uma cláusula na minuta do Protocolo) que sob a epígrafe «Conflitos» determinava a vinculação específica à comarca de Lisboa como o foro para resolução dos conflitos que eventualmente eclodissem. Traduzindo-se: estabelecia-se que, em havendo algum conflito, o tribunal competente seria o de Lisboa.

Lembro-me de pegar no telefone, ligar ao técnico que enviara aqueles documentos e perguntar-lhe se não haveria ali uma gralha. Porquê uma cláusula deste tipo e, sobretudo, porquê Lisboa? À pergunta acrescentei: o Estabelecimento Prisional era em Santa Cruz do Bispo, o Protocolo era com a Santa Casa da Misericórdia do Porto e o Ministério da Justiça e a Direcção Geral dos Serviços Prisionais eram de todo o país (lembro-me de dizer assim).

A resposta do lado de lá foi eloquente: «nós fazemos sempre assim».
E nesse «sempre assim» estava todo um programa. É que é sempre assim.


PS. Escusado será dizer que aquele artigo ou cláusula foi obviamente eliminado por mim. E não me recordo de voltar a ser confrontado com artigos ou cláusulas discriminatórias e sem qualquer sentido como aquela. Pelo menos no que me coube (que era poucochinho) deixou de ser «sempre assim».

#Escritório

Pontes

Mais calmo. Muito menos interrupções. Paira no ar uma espécie de cumplicidade (talvez diferente e não apenas acrescida) entre os que estão.
A produtividade é outra. E até nos sentimos mais valorizados.
Claro que gosto dos feriados e dos fins-de-semana. E obviamente que gosto de aproveitar os dias de bom tempo.
Mas há qualquer coisa nas pontes.
Cada vez mais, gosto de trabalhar em dias de ponte.

#Saladeestar

terça-feira, 13 de junho de 2017

Escola de Lisboa

«Costa diz que escola europeia beneficia Lisboa face ao Porto na corrida à agência europeia do medicamento»

Não, não. Não vale inventar (criação da escola europeia?). Nós sabemos muito bem - há muitos anos - em que escola se fazem essas candidaturas. É sempre a mesma ...

E, já agora, com os 900 funcionários que a desejada Agência Europeia traz consigo, cá estaremos para criar a Escola Europeia. É que são eles que a justificam. Mais uma vez, não vale inventar.

#Escritório

Macron - algumas considerações

Para a enorme falange de agoirentos sobre o fenómeno Macron – eu próprio terei os meus agoiros (que serão mais dúvidas) – as coisas não têm corrido bem. Ou, pelo menos, não se têm confirmado. E valerá a pena tentar perceber porquê (independentemente da maior ou menor identificação com o sentido do discurso e do projecto).

A primeira nota a assinalar é, obviamente, a do enorme e reiterado sucesso eleitoral. Depois das duas voltas nas presidenciais, as eleições deste fim-de-semana foram já o 3.º acto eleitoral do qual Macron saiu inquestionavelmente como grande vencedor.

A segunda nota (e agora já não seguirei uma sequência hierarquizada) é a da juventude. Já o disse na primeira ocasião, mas reitero. Os 39 anos de Macron, se estivéssemos nos anos 70, seriam uma banalidade. Em 2017, é um facto permanentemente assinalado, o que diz muito de quão adiadas poderão estar tantas vocações políticas, reféns de um preconceito absurdo e – pior – de lugares captados pelos mesmos de sempre.

Em terceiro lugar – e porque ligado à nota de «juventude» do ponto anterior – está o efeito renovação (numa tripla dimensão): por um lado, e como se prevê, é inspirador que um parlamento receba, de uma vez, mais de 50% deputados debutantes (independentemente da idade desses «novos» protagonistas); por outro, é louvável que centenas de cidadãos se tenham predisposto a, pela primeira vez, se candidatarem e, uma vez eleitos, servirem a causa pública através de um cargo político; e por outro lado ainda – mesmo para quem, como eu, não conhece minimamente o universo de deputados da Assembleia Nacional Francesa – aquele refrescamento do parlamento não se esgota na entrada de novos deputados. Vai simetricamente colher também à saída de uns quantos que tenderiam a eternizar-se naquelas cadeiras.

Uma quarta nota – talvez a mais relevante – diz respeito ao discurso e modus operandi deste Movimento En Marche de Macron. A sua afirmação, por muito complexa e difusa que seja a inspiração doutrinária que a orienta, não tem sido alcançada na base de um programa e de um discurso populista, centrado em promessas de facilidade, engajadas nos interesses corporativos clássicos (que os haverá no movimento, não tenhamos ilusões). Esta circunstância, que no fundo se traduz na sensação de que há ali um ímpeto genuíno que resiste ao facilitismo, é porventura a maior lição desta ainda curta história. Macron toca a musica que acha que as pessoas precisam de ouvir, e não a música do tipo panfletário que as pessoas querem ouvir (como baixar a idade da reforma, subir as pensões, aumentar ou mesmo manter o número de funcionários públicos, reforçar a soberania face a Bruxelas, etc). Parece uma frase feita, mas é disto que estamos a precisar. E depois as pessoas julgam como entenderem. A lição está no julgamento popular que, num quadro como este, até agora lhe tem sido destinado. Vale a pena ser genuíno (rings the bell, senhora May?).

Uma nota final – entre muitas que ficam por dizer – para a debacle do Partido Socialista. Mesmo para um eleitor (como eu seria em França) que não lhes entrega o voto, não vejo com bons olhos o definhamento de um Partido tão enformador e conformador do regime democrático pluralista. Se é certo que me apraz registar a derrota das suas ideias, convém não ignorar que essa derrota não representa (ou parece não representar) a atracção desses eleitores para o «lado dos bons» (permitam-me o parcialismo). O movimento a que temos assistido merece a maior reflexão e monitorização (como se gosta de dizer em politiquês). O poder de atracção desses votos parece estar nos partidos radicais (indistintamente, de esquerda e de direita). E isso é motivo de enorme preocupação.

#Escritório

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Das escutas aos e-mails

Há sempre dois grupos. Os que se dedicam a indignar-se com a forma. E os que se dedicam a indignar-se com o conteúdo.
Há uns anos tivemos as escutas. E lá tivemos o grupo que se dedicou a discutir a ilegalidade da forma («é ilegal!», zurziam, «não valem como prova», esbracejavam). E depois tivemos o grupo da substância, que insistia na indignação quanto ao que se testemunhava naquelas conversas gravadas («se fosse o meu clube, eu tinha vergonha!», «ganhar assim, não quero!», ouvíamos à boca cheia).

Hoje temos os e-mails (até ver, porque há ameaças de mais revelações). Pois lá temos o grupo que só fala de quão grave é a violação do correio privado («é gravíssimo num Estado de direito!», «é preciso apurar como é possível a violação de correspondência privada!», dizem pelos canais costumeiros). E, naturalmente, forma-se o outro grupo, o da substância, que se indigna com o que as conversas revelam («está lá tudo!», «é uma rede instalada de corrupção»!).

O curioso é que entre ontem e hoje são (quase todos) os mesmos. Se olharmos aos da forma e aos da substância, estão lá os mesmos. A diferença – pequena diferença – é que trocaram de lado.

Eu declaro-me já, para que não sobejem dúvidas. Das escutas aos e-mails, acho indigna a violação «formal» num Estado de direito, e envergonha-me a substância (que no que revela, é rigorosamente a mesma!).


Para muito boa gente, não é fácil reconhecer isto.

#Saladejogos

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Por qué te callas?

Este artigo do Luís Aguiar-Conraria («E por Lisboa não vai nada, nada, nada?», in Observador) ainda me consegue revoltar. O que é bom sinal. É sinal de que ainda não surtiu em mim o efeito anestésico da habituação. O centralismo doentio (tão bem representado no artigo) deste nosso pequenito Portugal devia revoltar. A mim revolta. Mas devia também envergonhar. Envergonhar mesmo.

Eu não sei quantos cidadãos o norte do país (isolo o norte, mas poderia nomear todo o país para lá da região de Lisboa e Vale do Tejo) já forneceu aos Governos de Portugal. Não sei quantos deputados já passaram pela Assembleia da República eleitos pelos círculos do Porto, Braga, Aveiro, Viana, Vila Real, etc. Não sei também quantos quadros superiores do Estado e de Empresas Públicas vieram do «Portugal paisagem». O que sei é que não há quase memória de uma declaração política, com um mínimo de solenidade e consequência, de algum desses «nossos representantes» sobre este escândalo nacional. Não há um deputado – seja de que bancada for – que associemos minimamente a esta causa da urgente inversão do centralismo. Alguém toma as dores da concentração do Estado todo na capital? O INE, os Supremos Tribunais, o Tribunal de Contas e o Constitucional, a CMVM, as Autoridades de Concorrência, as Entidades Reguladoras, e tudo e mais alguma coisa! Alguém já exigiu (já é caso para exigências) algum destes serviços do Estado central em Coimbra, no Porto, em Viseu ou Aveiro?
E querem que falemos de investimentos públicos? Querem que faça a lista dos 20 maiores investimentos dos últimos 10 anos? Querem saber quantos deles foram realizados no Portugal paisagem?

É uma vergonha. Mas eu, se fosse (ou se tivesse sido) membro do governo, se fosse (ou se tivesse sido) deputado, se fosse (ou se tivesse sido) alto quadro no Estado, eu, sob pena de não ser eu, não me calaria.

É caso para perguntar a cada um desses membros do governo e deputados (e são tantos!): por qué te callas?

#Escritório

terça-feira, 6 de junho de 2017

Sérgio Conceição

1.    Foi o escolhido, passou a ser a minha escolha. A primeira.
2.    Não padecerá de falta de identificação com o clube e com os adeptos, nem nos exasperará com frases feitas, repetitivas, sensaboronas.
3.    O perfil recomenda parcimónia no «campeonato» da comunicação. Eu começaria por acabar com metade das conferências de imprensa. E reduzia a um terço (em tempo e em dias) as presenças dos jornalistas nos treinos.
4.    Se for incontornável a exigência dos sponsors, encontrem outros protagonistas para justificar as garrafinhas de publicidade à frente dos microfones.
5.    Só espero que os jogadores se entreguem e se identifiquem. Se houver sintonia, disciplina e organização, pode acontecer.
6.    O Porto, mesmo destroçado e depois de 4 anos a seco, é muito mais forte do que imaginam.


PS. Ia dizer que, em 1998, quando o Sérgio Conceição saiu do Porto para a Lázio, tinha escrito um post no Facebook a dizer que regressaria daí a duas décadas para ser o nosso treinador. Depois lembrei-me que ainda não havia Facebook. E às tantas é ridículo esse jogo do «eu sempre disse» ou «eu sabia» ou, na versão presunçosa, «se me dessem ouvidos».

#Saladejogos

segunda-feira, 5 de junho de 2017

O nosso modo de vida

Mais um atentado. Mais abraços fraternos. Mais não sei quê. No fundo, há já uma espécie de reacção standard (é mesmo isto, «standard»).

A cada evento triste – e mais que triste, revoltante – em lugares que sentimos como nossos, vamos coleccionando lugares comuns, mais ou menos consensuais. Costumamos partir da premissa da superioridade da nossa civilização, reiteramos, depois, o orgulho no nosso pluralismo e tolerância, e terminamos com a afirmação (meio viril, meio vã) de que não podemos ceder a estas ameaças e agressões. Se tivéssemos uma bandeira para desfraldar ela teria inscrita a frase feita «nosso modo de vida» e lá estaríamos todos a desfraldar essa bandeira sem saber bem «porquê», «o quê» e «para quê».

O que é que nós defendemos exactamente? Que «nosso modo de vida» é esse em contraposição ao «deles»?
Cada vez mais, com todas as dificuldades que a necessidade de simplificação nos coloca, acho que nos está a faltar o debate exigente sobre que sociedade, que valores, que futuro, defendemos. No fundo, a quê que deverá corresponder essa bandeira difusa do «nosso modo de vida».
Enquanto a resposta for a do relativismo, a do pluralismo acrítico, a do nivelamento dos valores e da ausência de valores, somos nós próprios que nos expomos. Porque ninguém se sente mobilizado por uma amálgama incoerente de valores.
Claro que esse debate implicará a hierarquização, a crítica e o afastamento de ideias e prioridades absurdas. Eu atrevo-me a dizer o óbvio – que a pessoa, na sua dignidade intrínseca, ou regressa ao centro do «nosso modo de vida» ou nesta batalha de civilizações nem vale a pena desfraldar essa nossa bandeira (quanto mais ir à luta …).

Eu suspeito (não é bem suspeito, é mais acho, mas prefiro dizer suspeito) que a descristianização da Europa não devia ser olhada com indiferença.

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#Jardim

A segurança no Porto

O JN deu à estampa dados moderadamente animadores a propósito dos índices de segurança no Porto.
Não sou nenhum especialista em políticas de segurança e criminalidade. Mas sou quase doutorado em ideias óbvias.
Intimamente relacionado com este tema da segurança está o modo como olhamos para os nossos bairros sociais, pelos quais sempre nutri um carinho especial. De tão transversais na cidade, fazem parte da nossa vida comunitária. Desde a infância à idade adulta, ninguém terá escapado. Seja à tensão, seja à descoberta, seja à participação na acção social. Seja simplesmente nas discussões sobre soluções e reabilitações.

Sempre achei – e sempre fui dizendo – que era essencial abrir os bairros sociais à cidade. Sempre gostei, aliás, de usar o neologismo «desguetização dos bairros sociais» (é mesmo só para passar a ideia de que sou um especialista respeitável, mesmo que não seja verdade).

Ora, esta desguetização ou abertura dos bairros deve enquadrar-se, do meu ponto de vista, numa revolução mais completa que se traduz – ou vai-se traduzindo – na reabilitação do ambiente urbano nos bairros tendencialmente problemáticos (há muitos bairros sociais que não são problemáticos, pelo que não confundo uma coisa com a outra, para que fique claro!). Refiro-me à limpeza urbana e asseio dos arruamentos, à disposição dos contentores de recolha de lixo, à periodicidade da recolha e limpeza pelos serviços municipais, à renovação do mobiliário urbano, ao ajardinamento e respectiva manutenção, e acima de tudo, à preservação do património edificado, a começar pelos blocos e espaços comuns, mas passando pelos diversos fogos. E aqui incluo os serviços públicos que, pela proximidade, servem as populações destes bairros. As escolas primárias, os centros de saúde, as esquadras da polícia, os gimnodesportivos e parques urbanos, só para dar alguns exemplos. Na justa medida em que forem equipamentos qualificados e modernos, com serviços de qualidade, há como que um efeito contágio às próprias pessoas. Gera-se um ambiente de cuidado geral, de limpeza, de urbanidade que muito contribui para a qualidade de vida das populações. Chega a ter a virtualidade de propiciar a transformação dos comportamentos colectivos e individuais e gera, naturalmente, mais segurança.

Há depois um trabalho mais difícil neste processo de desguetização que é o de procurar abrir, no sentido físico, as vias públicas interiores de cada bairro à malha urbana circundante. Por erro de palmatória que já não vale a pena imputar, a maioria dos bairros são fechados e, portanto, não têm vias de atravessamento (o termo gueto é-me inspirado por esta constatação). E não é preciso explicar como esse condicionamento físico prejudica aquele propósito de mais segurança e abertura. É essencial apostar na inversão deste condicionamento. Isso mesmo já foi ensaiado, por exemplo, com a nova via que rasga o Bairro Pinheiro Torres e o Bairro da Pasteleira Nova até ao Bairro da Pasteleira.

Há ainda muito a fazer neste capítulo. O ímpeto de reabilitação dos Bairros e das Escolas Municipais tem sido notável (e há que distribuir o mérito, neste particular, entre este e o anterior executivo). Mas ainda estará para chegar o dia em que os canteiros dos bairros sociais merecerão o mesmo esmero que os relvados da Marechal Gomes da Costa. Ainda estará para chegar o dia em que os Jardins do Parque Oriental se confundirão com os jardins dos Bairros Falcão, Contumil ou Lagarteiro. Em que entre o novo Gabinete Municipal dos Aliados e a sede da Associação Cultural e Desportiva do Bairro Falcão, não haverá diferença na qualidade do mobiliário, das janelas e dos acessos (estou a exagerar de propósito).


A bem do Porto.

#Salaodevisitas
#Escritório
#Saladeestar