quinta-feira, 20 de julho de 2017

Os sobremandatos

A propósito de uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal do Porto que teve lugar esta semana, e que foi notícia não apenas pela circunstância de a votação ter sido renhida, mas também por ter sido «decidida» pelo voto desalinhado do deputado municipal do PS, Francisco Assis, ocorreu-me um suspiro de irritação (suspiro de irritação até será um eufemismo ligeiro). Não teve a ver com o sentido de voto do deputado municipal, nem teve a ver com ter sido desalinhado face à orientação da sua bancada. E muito menos teve a ver com o deputado em concreto (habituei-me a respeitar e a admirar a genuína liberdade com que Francisco Assis pauta a sua vida política).

O meu ponto é outro.

Há vários fenómenos nas candidaturas que os partidos nos apresentam que eu compreendo muito mal. Mesmo muito mal. Provocam-me o tal «suspiro de irritação».

O primeiro deles é o dos candidatos pára-quedistas. Especialmente nos grandes círculos eleitorais, como é o caso do Porto. As direcções nacionais não têm pejo em impor (e os líderes locais ou regionais não oferecem, ou não conseguem oferecer, resistência) candidatos sem a mais pequena ligação à região ou à terra em que se candidatam. É um fenómeno corrente em eleições legislativas, que é mais chocante quando envolve o próprio cabeça de lista. Nunca me hei-de conformar com esta «tradição».

Um segundo fenómeno é o do candidato formal. Uma espécie de pseudo candidato âncora. Aquela figura que dá a cara mas que todos sabem que não ocupará o lugar a cuja eleição se apresenta. Tanto pode ser um ministro como um deputado nacional ou europeu que, não satisfeito com a condição, vai como número 1 na lista para a Assembleia Municipal. Por vezes é simplesmente um militante histórico que pela idade, pela paciência ou por manifesta incompatibilidade, não ocupa ou não pode ocupar o lugar para que será eleito.

E depois há um terceiro fenómeno -  que é o que motiva este meu exercício de denúncia - que em certa medida até pode ser uma derivada do segundo. É o fenómeno do sobrecandidato que depois se transforma em sobremandato (acho que o nome se adequa). No fundo, é aquele candidato que já exerce outros mandatos, por regra na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu, e que é também deputado na Assembleia Municipal (quando não mesmo Presidente) ou - no que considero ainda mais incompreensível - vereador municipal. Não partidarizo nem fulanizo este exercício de denúncia (ainda que tenha sido motivado por um caso concreto) porque encontro exemplos por todo o lado. Mas este fenómeno dos sobremandatos é absurdo. Que sentido faz alguém que já tem um mandato relevante na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu (que portanto tem de estar em Lisboa ou em Bruxelas) acumulá-lo com o de vereador ou de deputado municipal? Desde logo, algum destes mandatos (se não mesmo os dois) será exercido aquém do exigível. Por outro lado, sai reforçada a ideia de que são sempre os mesmos e que nos partidos as coutadas de uns são as portas fechadas para outros que poderiam e deveriam participar. E, finalmente, sobra a sensação de que há aqui um problema de iure condendo. É que este fenómeno não deveria, pura e simplesmente, ser possível nos termos da lei!

No caso da sessão extraordinária da Assembleia Municipal do Porto desta semana, o aparte era o de que o deputado municipal Francisco Assis não era visto há já muito tempo naquelas sessões e que, desta vez, marcou presença porque aproveitou as férias do Parlamento Europeu. Não é preciso dizer mais nada pois não? Pois, suspiro de irritação até será um eufemismo ligeiro.

#Escritório
#Saladeestar

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