terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Como eu vejo (e como me vejo) na entrevista do Adolfo

Não é de hoje nem de ontem. As entrevistas do Adolfo – e as suas prestações em debates ou intervenções públicas em geral – valem a pena. Têm conteúdo, transpiram convicção e vêm invariavelmente adornados com aquele estilo acutilante e galvanizador que tanta falta faz na intervenção política.
A «entrevista de vida» deste fim-de-semana no Expresso não desiludiu. Tem lá conteúdo, convicção e acutilância de sobra. Podia não ter qualquer fotografia. Podia até nem ser identificado o entrevistado. Está lá o Adolfo que todos reconhecem. E por isso o destaque que o Adolfo vem merecendo é merecido (passo a redundância) e não advém de qualquer revelação sobre a sua orientação sexual (já lá vou).

O meu primeiro contacto com o Adolfo foi já há 15 anos (ambos ainda longe dos ambicionados 40 … impressionante como o tempo passa). Estava ele na Secretaria de Estado da Segurança Social e eu no Ministério da Justiça. Não sei se ele se lembra, mas eu lembro-me de ter gostado logo dele. Depois, nos anos de escritório que acumulámos, e nos de militância no CDS (a minha manifestamente incipiente e bem mais recente), fomo-nos encontrando e conversando muitas vezes, com ou sem a intermediação de grandes amigos, mas sempre com gosto e amizade (falo por mim, naturalmente).
Digo isto para dizer o que quero dizer sem que façam presunções ou tirem ilações sem fundamento.

Eu concordo e discordo do Adolfo. Talvez aconteça mais concordar. Revejo-me no estilo (que é consistentemente galvanizador e inspirador). Revejo-me na forma genuína como sempre é frontal, destemido e transparente. Revejo-me na sua militância pragmática, mais centrada nas respostas possíveis e nas soluções concretas, e não tanto nos modelos ideais (que em certa medida têm de conviver). Revejo-me no desassombro com que descose o «socialismo» e a dependência tantas vezes injustificada do Estado. Revejo-me na sua sensibilidade e fidelidade ao interior (e à Beira e à Serra). Revejo-me (chego a invejar) o desassombro com que consegue agregar as pessoas e gerar ideias (e energia para essas ideias). Revejo-me na tolerância sincera e convicta que pratica na sua acção política (não deve haver ninguém que alguma vez se tenha sentido desrespeitado pelo Adolfo em função das suas ideias). Revejo-me na sua abertura aos outros e ao mundo. Revejo-me até na peculiaridade dos seus guilty pleasures. E revejo-me, em grande parte (mas não totalmente), no seu amor à liberdade.

Aquilo em que verdadeiramente não me revejo tem sobretudo a ver com a sua hierarquia de valores. Quando digo que me revejo – mas não completamente – no amor à liberdade que apregoa e pratica, pretendo dizer (vou ser directo) que não me revejo na secundarização do valor da vida. A frase que o Adolfo escolhe para representar a centralidade da liberdade no seu quadro de valores – «a liberdade é o meu valor primeiro e vem antes da vida» – toca justamente no ponto em que eu não me revejo no Adolfo. É que «sem vida não pode haver liberdade» (escolheria esta frase na entrevista de vida que não chegarei a dar). Sim, a liberdade é primordial. Mas não há liberdade sem vida (que liberdade tem aquele que não deixam nascer?). E acho que daí decorre, em certa medida, a mundividência do Adolfo que não é a minha. Se quiserem apelar à métrica de preconceitos consagrados, eu serei um conservador. Sou contra o aborto. Vejo o modelo de adopção numa lógica substitutiva que, centrada na criança, lhe oferece preferencialmente um pai e uma mãe (porque terá sido justamente o que lhe faltou). E nesta nova saga da eutanásia eu estou do lado da vida e da aposta nos cuidados paliativos.
Mas este meu conservadorismo não me condena. Na mesma métrica de preconceitos – que não subscrevo – eu arrisco dizer que sou «cosmopolita». Pois se gosto dos «sinais exteriores de cosmopolitismo» como viajar, ler, ir a museus e ao teatro, ouvir diferentes estilos musicais, e até tenho guilty pleasures peculiares (não é tanto o festival da eurovisão, no meu caso são mais as raves), o que serei eu? E se me vejo como alguém que ama a liberdade, que respeita e tantas vezes admira profundamente (e mais: tenta compreender de coração aberto!) quem não partilha da mesma mundividência, o que serei eu? Um ultramontano?

E com isto chego ao que não gostei da entrevista. Não. Não foi ter assumido a sua homossexualidade. Como o próprio Adolfo bem lembra, não creio que seja um «acto de coragem». Chego a achar que, nos dias que passam (e as reacções estão aí para podermos avaliar melhor), parece mais um trunfo que propriamente um empecilho (e não deve ser nem uma coisa nem outra). No que me toca, percebo mal a revelação enquanto revelação (não consigo deixar de o dizer). E preferia que tivesse sido um considerando «a latere» (não há que esconder) e não tanto um statement ou revelação (o Filipe Santos Costa, que orientou a entrevista - mais connversa - com uma cadência inteligente, andou às voltas do tema com sete perguntas, o que só se compreende por se procurar uma revelação).
Mas se quiserem uma ilação útil sobre o tema – e que me é suscitada pelas palavras que o Adolfo escolheu quando se afastava da ideia de coragem – ela prender-se-á com a coragem, sim, mas com a coragem que o Adolfo não precisou de ter e que há 10 ou 20 anos talvez precisasse. Fiquei a pensar no sofrimento (que é o outro lado da coragem de que falam) de tantos com quem me cruzei e que admiro. E esse não é um sentimento que me deixe confortável. Será tema para um outro post, mas que não se confinará à questão da homossexualidade há 10 ou 20 anos. Houve muitas (demasiadas) tensões de que não cuidávamos (e que talvez ainda não cuidemos devidamente) e que exigiram e exigem a coragem de que falam.

PS. Custa-me que a entrevista não se tenha libertado dos preconceitos de sempre (o entrevistador não precisava de dar voz a tantas ideias feitas, mesmo que possam não ser as suas). Como a ideia de que o multiculturalismo inspira horror à direita (no caso veio a propósito da world music ... e sempre se ressalvou que não seria à direita toda). Como a ideia de que a tolerância se aprende à esquerda (à mesa com o lado da família de esquerda). Ou mesmo a ideia de que é curioso – e é preciso explicar com muitas palavras – que alguém que ama a liberdade milite no CDS (o «porquê o CDS», nestes contextos, é demasiado clássico)


#Saladeestar

#Escritório

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