sexta-feira, 22 de junho de 2018

Fernando Guedes

Serão relativamente poucos os grupos económicos de relevo em Portugal. Desses grupos económicos também não serão muitos os que lograram internacionalizar-se ao ponto de se poderem dizer multinacionais. E desses grupos ainda serão menos os que se poderão afirmar de referência mundial na sua área de actividade.
A Sogrape de Fernando Guedes foi e é um desses raros exemplos. E o que é mais extraordinário é que essa referência que a Sogrape protagoniza se fez com os ingredientes que qualquer «business plan» rejeitaria.

A Sogrape baseou-se a norte, em Vila Nova de Gaia (baseou-se mesmo, não se ficou pela cosmética de uma sede simbólica, para depois instalar os seus administradores na cercania da Presidência do Conselho de Ministros). Criou centenas de empregos (mais e menos qualificados) quer no próprio grupo quer à sua volta. Insistiu num sector tradicional – o vitivinícola – emprestando-lhe uma dinâmica de organização e empresarialização notáveis. Olhou com olhos de ver para o interior e o seu território meio esquecido – enviando e atraindo profissionais, destinando investimento, criando estruturas de futuro. Lançou-se, depois, ao mundo (foi mesmo até ao outro lado do mundo!). E sempre a partir do improvável (e não simbólico) norte de Portugal. Eu, que não sou um especialista no sector dos vinhos (poupo-vos à graçola de que sou um especialista de copo na mão), fico sempre meio embaraçado (qual devedor perante o credor) quando olho para um legado como este.

Não sou muito dado a juízos de justiça pela morte (a frase feita de que a morte é muito injusta é sobretudo uma manifestação natural, humana e irresistível de incompreensão). Mas já sou dado a juízos de justiça pela vida.
É certo que, de um modo geral, foi dado algum eco da partida, aos 87 anos, de Fernando Guedes. Mas num país que faz capas com tanta gente – notável, seguramente – há uma justiça que fica por fazer. Nem que seja por comparação.
Podia dar o exemplo de Anthony Bourdain (o Pedro Boucherie Mendes dizia mais ou menos o que aqui digo ilustrando com o exemplo de Bourdain). Eu ilustraria com o exemplo do fundador do Lux (desculpem dizer fundador do Lux porque, ignorante como sou, e com todo o respeito, tive de ir ao Google para saber que se chamava Manuel Reis).
Fernando Guedes não «mereceu» as capas que os jornais ofereceram a Bourdain ou ao Manuel Reis do Lux. Esta mera constatação é todo um programa sobre o que somos colectivamente e sobre quem nos interpreta nos media.

Porquê que somos assim? Não sei. Talvez não houvesse capas que justificassem (que fizessem devida justiça). Talvez seja isso.

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