sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A estratégia de Rui Rio

O problema não é a investida contra os que «gastam a mais». Isso até pode estar certo (ponho de parte a discussão sobre se a via judicial é a mais acertada).

Militar a todo o transe na causa da seriedade, da fiabilidade dos gastos, da tolerância zero perante os infractores, até pode não merecer crítica. No país em que cronicamente nos «transformámos» fará mesmo muito sentido.
Mas não é com isso e só com isso que se constrói um projecto político para o país.


Ao lado das «contas certas doa a quem doer» tem de haver esperança e futuro. Sobre a educação, sobre a justiça, sobre a saúde, sobre a política fiscal, sobre os transportes, sobre o ambiente, sobre a economia, sobre a cultura, sobre a política externa, sobre a lusofonia e a Europa, sobre a própria democracia e os seus instrumentos de controlo e relação. E num líder do maior partido da oposição essa esperança deve-se ir revelando no exercício que se lhe impõe de controlo e exigência sobre a acção (ou inacção) do Governo.
De Rui Rio não ouvimos nada. Há 6 meses que é o líder do PSD e ninguém lhe consegue associar uma causa, uma prioridade, uma ou duas ideias que nos possam orientar sobre que país diferente ou simplesmente melhor pretende ele.

Eu, confesso, não estou surpreendido. Foi este o Rui Rio que tivemos aqui no Porto (no que teve de meritório e no que teve de menos meritório, para usar uma formulação insípida).
Para compreendê-lo socorro-me, aliás, dos sermões que lhe fui ouvindo nesses tempos de Presidente de Câmara e que sugeriam uma visão muito original (que não a minha) sobre a separação de poderes e a justiça, sobre a cultura e a educação, sobre a democracia e o respeito pelo pluralismo.

Eu, repito, não estou surpreendido com o Rui Rio líder do PSD. Mas também digo que ainda não percebi se eleitoralmente vai funcionar. Pode parecer paradoxal, em face da crítica que lhe faço, mas não é. Eu admito que um perfil destes, mesmo sem sinais claros de substância política, pode ser premiado nas urnas. Eu não desdenharia na estratégia.
#Escritório

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"A viagem"

A mise em scene (mise en scene, sempre gostei de dizer mise en scene) da viagem nas férias de Verão é sempre mais complexa, consome-nos emocionalmente como nenhuma outra, e tem lugar cativo na programação das férias.
Mas não é tudo a mesma coisa.

Há os que arriscam a sorte a Norte, indo para Moledo, Afife ou Sanxenxo. Os que confiam o bronze à Barra, à Foz do Arelho ou a São Martinho. Os que agora se passeiam por Tróia, pela Comporta ou pela Costa Vicentina. Há ainda os que seguem o desafio do presidente e investem no interior. E há - claro - os que não apostam noutro sol que não seja o do clássico e mais garantido Algarve.
Ora dêem as voltas que quiserem dar não há viagem como a de “lá de cima até lá baixo”. O Porto-Algarve (ou Norte-Algarve, se quiserem) é e há-de ser sempre “a viagem”.

Mesmo com as auto-estradas porta a porta, com os carros xpto que hoje temos, com os ares condicionados automáticos. O Porto-Algarve continua a ser o Porto-Algarve. Exige muitas horas (mais de 4!), obriga a passar por vários estados de espírito, em bom português, mói como o caneco.
Já não é o tempo do IP1, é verdade. Mas até esse era motivo de alguma expectativa. A cada ano experimentávamos mais um troço da A2 (este ano já se vai até à Marateca, agora a portagem é em Alcácer do Sal, e depois já foi em Grandola, Castro Verde, até estar terminada lá pelos idos de dois mil e pouco).
Mesmo os Fangios deste mundo (que exibem sempre o “este ano fiz porta a porta em 3:50!” - há sempre uns quantos) sabem que não há forma de não moer.

Mas no meio da moedeira há dois ou três momentos (inventamos sempre uns momentos para nos distrair mentalmente) que animam a tirada. Se marchamos a sul (engraçado que dizer “a norte” soa, “a sul” não soa tanto) quando entroncamos na A2 vindos da A13 sentimos o primeiro sopro de proximidade ao destino e às férias. Ainda falta imenso (quem parte de Lisboa está a começar) mas há ali qualquer coisa nas cores e nos cheiros que nos sugere proximidade ao destino. Depois há a portagem final da A2. Ainda podemos ter uns quantos quilómetros de Via do Infante e umas quantas voltas à procura da casa alugada, mas a partir daquela portagem “já chegámos”! Até dizemos aos miúdos “já estamos no Algarve” (e eles deixam-se enganar, mesmo que já levem bem mais de 4 horas de viagem no lombo e, em vão, olhem pela janela à procura do mar).
No sentido inverso - no regresso a casa - os momentos são diferentes, mas também servem para nos animar mentalmente. O primeiro é o da cisão na A2. Quando se ergue ao fundo o anúncio A13 Norte vs Lisboa A2 há uma espécie de primeiro sabor a sentido. É por aqui!, e lá viramos todos contentes pela A13 fugindo à cansativa A2.
O outro momento é o da mudança de cores e de cheiros na A1. Sim, a A1 muda a determinada altura. Ali pelos lados de Pombal (talvez antes, mas bem depois de Fátima) a cor da terra, da pedra dominante e do cheiro a sol (o sol tem cheiros diferentes, sempre achei) começamos a sentir a nossa atmosfera que, à medida que vencemos quilómetros, se vai tornando mais evidente até à glória da Ponte da Arrábida. A glória da Ponte da Arrábida é, aliás, um momento incrível. Tenho para mim que a Ponte da Arrábida devia ter uma fita que cortávamos sempre que por ela entrássemos no Porto (tipo cena final de filme). Não há entrada em lugar nenhum do mundo (do mundo!) que seja mais gloriosa.
E então quando vimos de mais de 4 horas, bem de lá de baixo, depois de não sei quantos dias, olhem que me cai sempre uma lágrima.
E todos os anos, quando moído no momento de glória me cai a lágrima, concluo sempre. O Porto-Algarve (Algarve-Porto, no caso) é mesmo, a cada ano, “a viagem”.

#Saladeestar

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Ainda o comboio do PS


Não, o problema não é a CP ter garantido adaptar os demais comboios (ao que parece qualquer entidade teria esse tratamento em semelhantes circunstâncias). Aliás, a ideia de alugar um comboio até seria boa (afinal, o PS preocupa-se em privilegiar o transporte ferroviário nas suas próprias iniciativas, em detrimento do automóvel ou do autocarro).
Em face das circunstâncias, o problema é mesmo político.
A CP enfrenta problemas gravíssimos de falta de meios, de episódios recorrentes de atrasos e cancelamentos, de falta de qualidade no serviço, de avarias. E esses problemas estão na ordem do dia especialmente porque é flagrante o desinvestimento e os cortes na ferrovia nos últimos 3 anos de governo PS.
Independentemente do modo como cada um valoriza as prioridades do governo e, portanto, mesmo que não se ache criticável a opção pelo desinvestimento na ferrovia em face de outras urgências (não é o meu caso!), um facto era certo – politicamente, neste Verão de 2018, seria um tiro no pé optar pelo comboio numa iniciativa do partido do governo (para mais, beneficiando de regras de favor facilmente manipuláveis pela oposição e pela comunicação social). Qualquer assessor estagiário saberia ler politicamente o momento e alertaria para a necessidade de por estes dias se fomentar a «distância» relativamente aos comboios.
Mas não. Ninguém quis saber do momento político, das falhas de serviço que têm afectado as vidas das pessoas, dos números chocantes do investimento na ferrovia.
Dava jeito para a organização da iniciativa do partido e, portanto, toca de alugar um comboio como se nada se estivesse a passar.
Dirão que a oposição tem é que agradecer e aproveitar para endurecer o combate político. Talvez, mas a mim preocupa-me o significado da «inabilidade política» (consintamos na expressão).
A presunção e o despudor são inacreditáveis. E, sinceramente, assustam-me. Porque são uma manifestação de poder desmedido, de barriga cheia, quase de gozo e desprezo. Pior que o desinvestimento na ferrovia é o desinvestimento na ferrovia como se nada fosse, como se os problemas que esse desinvestimento está a provocar não existissem e não afectassem a vida das pessoas.
Desta vez foram os comboios mas poderíamos dizer o mesmo sobre os hospitais. A cada declaração comicieira sobre os serviços públicos e o Estado Social – em que o confronto com a realidade do investimento fazem esboroar a dúvida sobre a real convicção dos protagonistas – adensa-se a sensação de falta de vergonha.
Tenho imenso medo da falta de vergonha.
Pode parecer estranho mas o cálculo político, o pudor e o bom senso (é de bom senso que falamos também) protegem-nos dos políticos com muito poder. Quando falta tudo isso a quem tem poder ficamos mais expostos.

#Escritório
#Saladeestar

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O raro McCain

O que sempre achei notável em McCain é que vivia radicalmente a coragem em todas as suas dimensões.
A coragem física, a coragem do carácter, a coragem não calculista (aquela que deita tudo a perder aos olhos humanos).
Coragem McCain tinha-a toda, o que é raríssimo.
#Saladestar

E eu, que resisti? Nada?


Já sei que ninguém quer saber da manta de retalhos em que fica o nosso sistema, da confusão com o regime do residente não habitual (mantém-se como está?), da esperança de um regime para o interior, da canelada no princípio da igualdade e da capacidade contributiva, da canelada (outra) na estabilidade e na previsibilidade que se apregoa.
Mas e eu, que resisti? Nada?


#Saladeestar

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A Igreja e a responsabilidade

Não tenho a mais pequena dúvida de que é boa e importante (até porque dela participo na primeira linha!) a unanimidade que grassa quanto à condenação dos casos de abusos sexuais sobre crianças que em muitos países e ao longo de várias décadas vêm acontecendo no seio da Igreja Católica.
Não há que escolher eufemismos. Não há como não dizer o óbvio. Não há como negar.

Os abusos sexuais sobre crianças à guarda da Igreja, por sacerdotes e outros clérigos ou leigos, os actos de encobrimento desses abusos por quem, em muitos casos, ocupa o mais alto cargo na hierarquia, o modo atabalhoado e hesitante como vários responsáveis da Igreja vêm gerindo as sucessivas denúncias, tudo isso, envergonha-me, entristece-me, revolta-me (e poderia continuar com mais sentimentos, todos genuínos e sinceros, culminando com um «enoja-me»).
É mesmo assim. Um verdadeiro nojo. Sem mas. Para mais invocando «o nome de Deus em vão» e pondo a nu o que já Frei Luís de Granada dizia (causa mais dano o lobo na pele de cordeiro que o lobo na pele de lobo).
Para quem, como eu, faz parte da Igreja o sentimento de revolta é ainda mais intenso (como é possível viver tão radicalmente nos antípodas da doutrina?)

Penso várias vezes no que poderá e deverá fazer quem, na Igreja Católica, perante este drama, esteja absolutamente de boa-fé, esteja firmemente empenhado em enfrentar o gravíssimo problema em todas as suas dimensões, e pretenda, sem hesitações, libertar a Igreja deste nojo e degredo embaraçante.
O que poderá e deverá fazer? O que poderão e deverão fazer um Papa, um Cardeal, um Bispo, um Padre, que se deparam com casos de abusos sexuais sobre crianças no seio da Igreja de que são responsáveis? Mesmo que sejam na sua maioria casos com dezenas de anos, com responsáveis já idosos e com vítimas já adultas. O que poderão e deverão fazer?
Não basta pedir perdão (até porque é um pedido «em nome de» e não por actos pessoais). Há que pedir sonoramente perdão, claro, mas concordo que não basta.
Impõe-se entregar os responsáveis, as provas, as explicações detalhadas (tudo!), às autoridades civis. Impõe-se tratar esses mesmos responsáveis no seio da justiça canónica sem quaisquer contemplações e sem arrimo em regras processuais e de termo (como será a invocação da prescrição). E impõe-se incluir nesses responsáveis os miseráveis protagonistas directos e os encobridores e cúmplices passivos. A razia tem de ser inequívoca não olhando a hierarquias e sem respeitar «poderes».
Haverá, depois (ou concomitantemente) que assumir as responsabilidades indemnizatórias (por mais incomensuráveis que sejam) perante as vítimas.
Dever-se-á fazer tudo isso e ainda assegurar regras claras para o presente imediato – de procedimentos, de organização, de formação – que obviem tanto quanto possível que o nojo se repita com a disseminação que hoje nos é revelada. O tempo em que o problema do padre pedófilo se resolvia mudando-o de paróquia, retirando-lhe a liderança de um seminário para o colocar na de um colégio noutro lugar, ou colocando-o nos serviços administrativos da diocese por uns tempos, acabou, não pode continuar e nunca deveria ter acontecido!

A Igreja é feita de homens e de mulheres, bem sabemos. A Igreja pressupõe que os homens e mulheres sejam livres. Livres para fazer o bem e para fazer o mal, livres para cumprir e para transgredir, livres para serem ou não serem santos (é esse o grande e difícil desafio). Na proposta da Igreja – na doutrina e nos Evangelhos – não há lugar para o nojo, para o abuso de crianças, para a exploração miserável dos frágeis. Mas essa proposta é dirigida – insisto – a homens e mulheres livres. E por isso, e desde que foi criada, na Igreja sempre medrou o bem e o mal (é uma «rede que apanha maus e bons peixes», onde há «joio no meio do trigo»). O que há-de distinguir a Igreja (para lá santidade dogmática que não é para aqui chamada) é que a liberdade como condição de pertença tem o reverso da responsabilidade. Seja no seio da própria Igreja seja perante «César». Que se cumpra a responsabilidade!
PS. Valham-nos dois sinais. O de que ainda nos impressionamos (e revoltamos e reagimos e não perdemos a sensibilidade) perante os abusos sexuais sobre crianças. E – porque não realçá-lo – o de que esta é a Igreja que todos podem criticar. Valha-nos essa liberdade (na e com a Igreja).

#Jardim

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Manuel Carvalho no Público

Uma das razões que me tem vindo a afastar dos jornais – eu que já fui assinante de jornais diários, que era um comprador compulsivo e que, apesar de tudo, me mantenho um leitor interessado (apesar dos meus estados de espírito) –, uma das razões que me vêm afastando, dizia, é a falta de mundo de quem nas redacções verdadeiramente conta. Ou, se quiserem, a falta de diversidade nas redacções. O mundo dos jornalistas que «mandam» é todo igual, as perspectivas são quase sempre as mesmas, os lugares que frequentam, os «amigos», os temas de eleição e os preconceitos divergem muito pouco. Digo-o em generalização e em sentido figurado, claro, mas se estiver a ser injusto não serão muitos os injustiçados.

Uma das versões dessa falta de diversidade é a falta de país nas redacções dos jornais. Não é tanto – também é – a falta de destaque e de notícias sobre o que se passa para lá de Lisboa (sobretudo) e do Porto (um pouco menos) ou, se quiserem, para lá do que preocupa Lisboa ou o Porto. É especialmente a falta de um olhar sobre o que se passa que não seja a perspectiva da capital. A standardização das notícias (muito baseadas nos takes da Lusa) e dos artigos de opinião (muito baseados numa pool de comentadores que se desmultiplica pelos canais de televisão, pelas estações de rádio e pelos jornais, e que se comentam reciprocamente nas redes sociais), é uma incontornável consequência da uniformização de protagonistas, de perspectivas, de preocupações. Insisto, falta país nos nossos jornais (e televisões e rádios).

Poderia dar vários exemplos. Temas como a saúde, como o ensino, como a justiça, são discutidos e desenvolvidos na perspectiva de quem, na sua vida pessoal, alterna entre o Hospital de Santa Maria ou de São João e grandes hospitais privados, de quem tem à sua disposição grandes e conhecidos liceus públicos e vários colégios privados (alguns de língua estrangeira), de quem frequenta os modernos edifícios do Campus da Justiça no Parque das Nações. Esta perspectiva única não representa suficiente ou completamente o país que somos. Os olhos, os sentimentos, as ansiedades, as reais prioridades, de grande parte dos lugares deste nosso pequeno Portugal estão pura e simplesmente arredados do país mediático. E em matérias como a política, a Europa e as migrações, e até a mobilidade, por exemplo, não existe reflexão para lá de Lisboa e do Porto (e mesmo nestes, teremos sempre de falar de uma pequena Lisboa e de um pequeníssimo Porto).

Esta constatação chega a ser bizarra porque não faltam directores, ex-directores, chefes de redacção, editores, colunistas e comentadores, originalmente oriundos desses lugares cujos olhos nos faltam. O problema (não queria dizer problema, preferia continuar a insistir que é uma mera «constatação» …) é que quando penetram nessa pequena Lisboa e nesse pequeníssimo Porto parece que são afectados por uma espécie de metamorfose, que os converte e os faz perderem o olhar de origem. É estranho, mas é assim. Passam a discutir as mesmas causas, a ir aos mesmos lugares (restaurantes, concertos, colóquios, etc), e a viver um mundo que de tão pequeno não nos representa suficientemente mas que, pela sua pena, é o mundo que os jornais retractam e ao qual dão voz.

Manuel Carvalho – um homem de Alijó e do Douro, que vive e conhece bem o Porto para lá daquele «pequeníssimo Porto» dos jornais, e que não cedeu à irresistível metamorfose com a pequena Lisboa que domina os jornais – é uma excelente escolha para a liderança do jornal diário que mais relevância tem (e pode ter) na inversão desta nossa pequenez. Quem lê o Manuel Carvalho (eu leio) sabe que os seus olhos acrescentam, não são mais do mesmo, não estão reféns nem standardizados. Mesmo não sendo a sua primeira vez na direcção do jornal, a sua estreia no cargo de director do Público é uma novidade boa. Porque Manuel Carvalho acrescenta país (para usar a linguagem com que comecei este post). Hoje, que é o primeiro dia da sua direcção, aqui ficam os votos de Boa sorte. A ele e ao «país».

#Escritório
#Saladeestar

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Prego per tutti!


Em Março de 2001, quando caiu a ponte de Entre-os-Rios, estava eu de armas e bagagens em Milão há mais de 6 meses. Já estava na fase em que falava relativamente bem italiano, em que me sentia em casa e em que vivia quase como um italiano. Experimentei – ainda que não completamente – como é fácil a transição emocional de uma comunidade para outra. Se no início lia as notícias de Portugal, seguia os jogos do nosso campeonato e acompanhava as discussões que por cá se alimentavam (não era fácil porque só dispúnhamos de internet na faculdade e os sites eram ainda muito limitados), lenta e progressivamente fui começando a ler os jornais italianos, a seguir (e a ir a San Siro, onde ora jogava o Inter ora o Milan) o campeonato italiano e a interessar-me pelos fenómenos e temas que se viviam em Itália (na música, na política, na sociedade em geral). Lembro-me de pensar como Portugal era distante dos interesses e da «mesa» dos italianos. Para além do futebol, dos calciatores portugueses, que brilhavam sobretudo em Florença, e do Figo (era o tempo áureo do Figo), Portugal não existia em Itália.
O sobressalto com a nação foi-me provocado pela queda da ponte de Entre-os-Rios. Ao fim de seis meses, os telejornais abriram todos com uma notícia de Portogallo. Chocou-me profundamente aquele «regresso a casa» pela boca dos locutores italianos e pelas imagens que repetidamente passavam nos noticiários de um tabuleiro tombado sobre o meu rio Douro. Senti como minha aquela tragédia. Percebi que quando estamos fora se sentem mais os grandes momentos da pátria (acho que o termo certo é pátria). Cheguei a sentir vergonha e embaraço, como é próprio de quando somos nós próprios a falhar à frente de todos. É quase um sentimento de culpa objectiva.
Hoje sinto o mesmo. Mas ao contrário. Itália é seguramente a minha segunda pátria. Onde, insaciável, regresso e regressarei sempre que puder. As notícias da queda da ponte Morandi, em Génova, tocam-me no nervo sensível. Foi em Génova que corri para (voltar) a ver o mar (o mar que Milão não tem e que me faz sempre falta aos sentidos). Foi em Génova que tive uns laivos de Porto (não esqueci como a passeggiata do Corso Italia me sugeriu a minha Foz). E lembro-me de passar na agora fatídica ponte Morandi.
Não consigo ficar indiferente. Quase regresso àquele sentimento de culpa objectiva que me sobressaltou em Março de 2001. Regresso mesmo, aliás.
Prego per te e per tutti!

#Jardim

Férias (I)

Há a luta das malas e da acomodação das tralhas no carro. Esse é um clássico anual a que ninguém escapa (espero nunca escapar, que é sinal que continuo a poder ir para fora, a fazer malas e a passear-me por aí!). Mas há outros «clássicos».
Um dos que me tem interpelado – porque é estranho, reincidentemente estranho – é o dos objectos prometidos de férias. Prometidos de férias? Isso, prometidos – prometemos-lhes um amor que depois não lhes devotamos (nunca lhes devotamos!).

Nós sabemos que não lhe vamos tocar. Que não vamos ter qualquer vontade (quanto mais tentação!). Mas insistimos e incluímos no lote (às vezes bem restrito!) dos indispensáveis de férias (ao lado do fato de banho, da saca de higiene e de uma dúzia de peças de roupa).

Para uns é a raquete de ténis (é este ano que vou combinar uns jogos de manhã antes de ir para a praia!). Para outros é o livro clássico do (introduzir um autor qualquer clássico) que tenho de ler de uma vez por todas (vai ser este ano!). Para outros, as sapatilhas (vou mesmo correr ao fim do dia!). Por regra – isso é certo! – é um objecto volumoso e chato de «encaixar» (até o livro tinha de ser de capa dura e de 500 páginas …).
Invariavelmente, o tal livro que temos de ler, a raquete de ténis, as sapatilhas (já agora, viram como ténis é uma coisa e sapatilhas é outra?) lá vão para dentro da mala. E, invariavelmente, o tal livro que temos de ler, a raquete de ténis, as sapatilhas, regressam incólumes dentro da mala. Porque a reserva mental é sempre a mesma.

Eu acho que o objectivo é outro. Não é nem começar a correr, nem jogar ténis, nem ler o tal livro que temos mesmo de ler e que nunca nos apetece. É não nos pesar a consciência! E reconheço que partir de férias com peso na consciência não faz sentido (já chega o resto). Ninguém tem de assumir antes de tempo que não vai jogar ténis, nem correr, nem ler o tal livro que é vergonhoso ainda não ter lido. Eu percebo. E cumpro!, em detrimento do que for preciso. Este ano, por exemplo, deixei para trás umas garrafas de um óptimo vinho sob a promessa – mais uma … – de que «depois compro lá e bebo na mesma». Não bebi, mas parti de consciência tranquila.

#Saladeestar

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

João Soares da Silva

Foi um dos fundadores da sociedade onde tenho a honra de trabalhar há já 12 anos. O seu nome, aliás, é um dos que figura no nome da própria sociedade. Não precisaria de mais para lhe prestar a minha sincera homenagem.

Era dos advogados mais notavelmente desassossegados que conheci. Mesmo estando nos píncaros da carreira, da reputação, da sofisticação jurídica e do reconhecimento, nunca lhe conheci qualquer sinal de cedência ou de conformismo.

Procurou sempre mais e melhor. Estimulou sempre mais e melhor. Gerou sempre nos que o rodeavam, mais e melhor. Já não tanto para si mas para a sociedade de advogados que criara e geria. Para nós, portanto.

Não será surpreendente dizer que a “Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados” é um fruto reluzente da sua dedicação à profissão. Mas eu arrisco dizer que a prestação de serviços de advocacia em Portugal mudou e evoluiu muito pela sua mão. E serão muito poucos (serão?, hesito no plural) de quem poderemos dizer o mesmo.

A minha homenagem e o meu agradecimento.

#Jardim

40

Não há essa coisa da entrada nos entas com a importância que sugerem as felicitações. Passados dois dias já ninguém liga, e termos 39, 40 ou 41 é exactamente a mesma coisa (ninguém olha para nós na rua tipo “olha vai ali um senhor que já tem 40!”).
Os 40 também não são os novos 30. Eu lembro-me bem como era quando tinha 30. E mesmo eu - que me acho fácil - já não corro por uma noite como corria quando tinha 30.
E olhem que aos 40 não estamos tão “entradotes” como um dia (injustamente) achámos que os nossos pais estavam quando os vimos a fazer 40 - ainda estamos para as curvas por muito que gostem de insistir na ideia de que agora vai ser sempre a descer (isso já era aos 30...).

O melhor de fazer 40 - o que é quase incrível nesta viragem dos 40 - é que os encontros se precipitam. Muitos deles “velhos” encontros. Parece que há uma espécie de “toca a rebate” e que de repente voltamos a falar com aqueles amigos com quem, aos 10 anos, fazíamos um programão à volta de uma bola, com quem, aos 14, bebemos mais do que duas cervejas pela primeira vez numa noite (faço-me entender?), com quem fizemos erasmus aos 20, com quem partilhámos a aventura do primeiro trabalho depois do curso.
E há um certo regresso à família, aos primos “antigos” e até adiados.
Não sei bem explicar. Há qualquer coisa de puro e de cândido que os 40 nos trazem. Não é bem os 40, mas vem por causa da efeméride dos 40.

Já não sei quantos contactos actualizei por estes dias. Quantos abraços pude dar ou enviar. Quantos “que é feito?” me ouviram ou dirigiram. O que sei é que se eu soubesse que era assim já teria simulado estes 40 que o bilhete de identidade agora confirma (digo sempre bilhete de identidade, que não me sai cartão de cidadão) .
Eu prometo que não mais saio do modo 40. A sério que prometo.
PS. Nem sei bem como agradecer a avalanche de parabéns que recebi. O mínimo - que acho que já consegui cumprir - era agradecer individualmente a cada um. Mas renovo aqui um “obrigado” comovido!

#Jardim