terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Nota prévia sobre o congresso do CDS

Estou com alguma dificuldade em afinar o registo do balanço (que quero fazer e partilhar) do Congresso do CDS.
Porque há imensas diferenças (e desvios e desejos e ressentimentos) entre o que aconteceu e o que dizem que aconteceu.
Porque vai por aí uma instrumentalização (e desvios e desejos e ressentimentos) entre o que é e o que dizem ser o pulsar democrático dos «vencedores».
Porque também prolifera uma conveniente confusão do que venha a ser isso da cultura democrática. Que tanto se aplica a quem vence como a quem é vencido (não se perderá nada em lembrar).
E porque, de repente, para quem está agora do lado do escrutínio (e já não do poder) a política deixou de ser contemporização, acordo, aproximação, cedências, recuos e moderação e o exercício do possível. É só preto e branco. Tudo e só chamamento à coerência milimétrica.
Eu, que pessoalmente me vi surpreendido pelas circunstâncias e pelo «curso dos trabalhos» (já lá irei), não estou muito surpreendido.
Tenho pena, claro. Mas confio que o tempo e a bonomia (especialmente de muitos que estimo imenso) só podem melhorar o ambiente.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A caminho do congresso do CDS (III)

Um dos comentários usuais (talvez o mais recorrente) para quem nos vê de fora (e é sempre elementar ouvir e ver pelos olhos de quem nos vê de fora) é o de que o CDS acabou, está esgotado, já pouco interessa e, portanto, a discussão a ter no congresso sobre a nova liderança terá mais a ver com a escolha da comissão liquidatária. Pondo de lado os exageros (oxalá sejam), os wishfull thinkings e ressentimentos, talvez valha a pena tentar «traduzir» o que se pretende dizer com este vaticínio de desesperança quanto ao futuro do CDS.
Não estou nem aí (como dizem os brasileiros) para explicar o momento com os problemas de comunicação, com as circunstâncias próximas (um ou outro episódio em pleno ano eleitoral), ou com a difusão de ideias que se perderam entre si sem que o eleitorado as chegasse a perceber. Haverá, com certeza, uma parte do diagnóstico que se deve fazer nesse imediato do último ano (ou mesmo dois anos). Mas eu não apontaria para aí. Eu creio que o grito que nos sopram ao ouvido é mais uma acusação. A de que o CDS enfrenta um problema de desgaste e de credibilidade que mina a mobilização e atracção do eleitorado.
Vistas as coisas assim (porque me parece ser assim que nos vêem), a escolha deste fim-de-semana, antes até das qualidades e das mensagens dos candidatos (estou mesmo a dizer isto – antes das qualidades e das mensagens) tem de ser capaz de representar um travão naquele problema de desgaste e de credibilidade. E não vale a pena discutir muito a justiça desse desgaste e dessa credibilidade (que nem sequer se confundem). E, naturalmente, será vã a discussão de saber se é justa ou não a imputação desse desgaste (especialmente este) a uns e não a outros.
As coisas são como são, por muito desconcertante e pouco elaborado que possa parecer. É por isso que eu não enveredo na crítica às qualidades do João Almeida (claro que tem qualidades, e legitimidade, e experiência, e por aí fora). O problema (ou infortúnio) do João, porventura injusto, é que o momento político reivindica uma mensagem para fora que rompa com o desgaste. Sim o desgaste tem a ver com a continuidade – e nem é uma continuidade com este ou outro mandato, é antes a necessidade de um novo alento face aos últimos 10 ou 15 anos. O partido precisa de novas vozes, novas caras, novos protagonistas (o que pressupõe o recuo dos que estiveram especialmente na linha da frente). Porque se assim não for a sentença é quase certa (mesmo que se faça tudo bem, na mensagem, na estratégia, na postura interna). E não confundam, por favor, com um apelo ao afastamento de quem quer que seja. É simplesmente de necessidade de recuo que falo, sob pena de não conseguirmos sequer que nos continuem a ouvir.
Diria, a terminar, que em política há que saber ler o momento, as circunstâncias (também as pessoais), pouco interessando se são justas ou injustas. Parece-me, em boa verdade, que o João (e quem está na primeira linha com ele) não está a saber ler com a frieza e o distanciamento que o momento exige.

A caminho do congresso do CDS (II)

Por força das circunstâncias (da «geografia» partidária imposta pelo PREC) a importância do CDS – mais premente nos anos fundacionais, mas que perdurou praticamente até hoje – esteve em parte muito relacionada com a capacidade (diria mesmo a missão) de atrair para o regime e para o «jogo» democrático (e, portanto, para a moderação das regras e dos mediadores da representação próprios da democracia) uma faixa importante e sociologicamente transversal da sociedade que, por diferentes motivações, não sentiria essa «atracção» pela moderação e pluralismo democrático. Se é certo que foi liderado por convictos democratas (e essa convicção foi fundamental), nem todo o «povo CDS» partilharia (ainda) dessas certezas, pelo que a sua adesão e enquadramento terão sido um dos valiosos contributos do partido para o sistema e para o país. Naturalmente que essa missão se cumpriu (e foi cumprindo) por apelo a ideias e programas que espelhavam, para lá do próprio modelo de regime, a mundividência e as prioridades desse tal «povo CDS» (num equilíbrio sempre ambíguo entre a doutrina social da Igreja, a predisposição conservadora e o ímpeto liberal na organização da economia e do Estado).
Curiosamente (ou não) a actual crise eleitoral do CDS expõe, como nunca, essa sua importância histórica. Mas de igual modo revela como aquela missão não se completou completamente (assumo a redundância). É aí que germina, em certo sentido, o fenómeno do Chega e a ameaça eleitoral que este representa para o CDS. E, portanto, é também aí que se joga a premência da sua relevância. Está em risco aquela franja do eleitorado (que nunca se soube medir muito bem) para quem o genuíno pulsar democrático do partido e até o seu estilo moderado foram mais tolerados que secundados. Mas que, apesar de tudo sempre se sentiram acolhidos no CDS, em benefício de todos (a começar pelo sistema e pelo regime).
O CDS estar em risco é um risco. Para todos.

A caminho do Congresso do CDS (I)

Impressiona-me a ostracização (e deselegância e até falta de educação) que vêm destinando à Assunção Cristas. Impressiona-me e deixa-me triste. Porque para lá de todas as legítimas divergências, críticas, ideias e estratégias, há uma líder (e mulher e mãe e cidadã) livre e democraticamente escolhida e confirmada por uma imensa maioria de militantes (convém lembrar porque de repente quase todos se fazem despercebidos), que cumpriu o seu mandato com enorme dignidade, entrega e espírito de serviço ao partido e ao país. Teve seguramente méritos e deméritos. Momentos houve em que me senti identificado e momentos houve em que nem tanto. Mas faço-lhe a justiça e a homenagem de aqui dizer que quer nuns quer noutros esteve inteira e de recta intenção. Não tenho dúvidas.
Obrigado Assunção (seriam, aliás, estas as primeiras palavras do discurso que não proferirei no congresso). Porque de gratidão (e de elegância e de educação e de justiça) também se faz a política.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Falta de moção (com n)

Estranhamente (ou não) isto do bom senso em política – que devia ser elementar – rareia nos momentos menos recomendáveis.
O CDS (refiro-me ao CDS, mas não faltarão exemplos noutras paragens) está em plena discussão para escolher, em congresso, o seu novo líder. O momento não é bom – é mesmo de urgência (se não de sobrevivência) – e imagina-se um congresso com a tensão própria.
Estão confirmadas 5 candidaturas o que já faz antecipar um debate demorado (serão 5 candidatos, com as suas «moções», mais os seus legítimos apaniguados que os defenderão no púlpito). Facilmente se antecipam horas de debate. E, convenhamos, é a eles e às suas intenções que o congresso se dedicará.
Sucede, contudo, que para além dos 5 candidatos (não é preciso sublinhar que serem 5 é muito) com as suas «moções globais», há mais 7 (sete!) «moções globais» e 11 (onze!) «moções sectoriais». Quer dizer, ao lado da discussão da liderança (que é a que interessa no momento) vamos ter 12 moções globais e 11 moções sectoriais, com os seus subscritores a gozarem dos tempos regimentais de intervenção antes ainda dos demais congressistas. Estão a ver não estão? O Congresso vai ser insuportável porque não bastando já os 5 candidatos, uns quantos militantes (alguns «notáveis») acharam que estamos todos interessados nas suas opiniões e nas suas moções – globais ou sectoriais – às quais dedicaremos horas infindáveis de intervenções. E eu até tenho pudor em sugerir que isto das «moções» é um palavrão pomposo para documentos muito «importantes» sobre os quais os militantes, e sobretudo os congressistas, vão meditar depois de os lerem integral e aturadamente …
Pobre púlpito. Pobres congressitas. Pobre congresso.
Porque se não há falta de moção há seguramente falta de noção.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Abriu com toda a normalidade

«Procuradora geral da República queixou-se da falta de meios»
«O Presidente da República pede uma justiça mais rápida»
«Tempo dos megaprocessos só diminui com reforma do sistema, diz líder do Supremo»
«Bastonário eleito dos Advogados opõe-se a delação premiada»
«Chuva de críticas assinala sessão de abertura do novo ano judicial»
«A ministra da Justiça afirma que o sistema judicial conseguiu controlar os efeitos da crise e está a dar uma resposta mais célere e rápida»


No fundo no fundo, com um ou outro apontamento de ocasião (desta feita a propósito da delação premiada), cumpriu-se o tom habitual e o ano judicial «abriu» com toda a normalidade.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Bom velho ano novo?*


Neste ano em especial (mas por nenhuma razão em especial) dei por mim a meditar sobre a passagem de ano, sobre essa ideia de boas entradas que encomendamos uns aos outros, sempre iluminados pela novidade de um ano que começa. «Bom ano novo!», ouvimos e dizemos. E, de quando em vez, lá repescamos esse dito popular do «ano novo, vida nova!», como expressão de incentivo à mudança a reboque do ano que se inicia.

Mas será mesmo assim? A resposta faltou-me, confesso, ao ver o olhar atónito dos meus filhos pequenos perante o momento bizarro da passagem da meia noite em que toda a gente comemorava, se abraçava e saudava «sem razão nenhuma». E eles tinham razão (as crianças têm sempre, outra expressão popular…). Não se passava nada, nada acontecera, era (é) simplesmente uma convenção entre adultos. Como tantas outras.

Fiquei preso à ideia de convenção «entre adultos» e rapidamente me dei conta de como não faltam pretextos que geram o desafio romântico da vida nova, do novo começo, ou, como se diz em linguagem teológica, da epifania (temos o novo ano civil, mas também o ano judicial, o ano académico, a época desportiva, a nova coleção, etc.). Concluí, com algum desencanto, como grassa a banalização do apelo e, pior, como é comprovada e frequentemente infrutífero.

A «vida nova» – perigosamente sugerida em confronto com a velha – não é, por regra, mais do que as mil e uma declarações não sérias (quantas vezes segredadas ou simplesmente desejadas na intimidade) mas que, num determinado momento (por uma efeméride convencionada) se proclamam em uníssono e colectivamente ao som das badaladas da meia noite (e nos dias que se seguem). Uma espécie de amanhã «começo a dieta», ou «começo a correr» ou «começo a ler», mas que todos dizem uns aos outros, alto e bom som. É, no fundo, um gracejo do momento, um jogo de palavras.

Se os pontos de melhoria se mantêm inamovíveis, talqualmente nos anos anteriores, fica a ideia de que estamos reféns do ano velho (no seu sentido figurado e pejorativo) e nada permeáveis ao ano novo e à sua «vida nova». E aí sim, temos um problema.

Um primeiro problema – cheguei agora ao ponto das ilações da meditação que me ocupou – é que essa «vida nova», que até pode ter expressão séria (um «vou casar», ou «acabar o curso», ou «ser pai»), não se constrói do nada, não aparece de repente, não brota à 12.ª badalada. A vida nova vem com a velha, onde estão os nossos (pais, irmãos, filhos, amigos, colegas), onde moram os defeitos e as virtudes que nos condicionam, onde reza a história do que fizemos e prometemos fazer. Onde estão – numa palavra – as nossas circunstâncias que não são, nem devem ser, descartáveis. E por isso, para lá do registo não sério e ligeiro, não há «vida nova» sem a velha. Nem «vida nova» como reverso da velha.

Um outro problema é o da credibilidade. Neste ano da graça de 2020 (impressionante como já estamos em 2020!) vivemos um ano novo – e preparamo-nos para a «vida nova» – à imagem de 2019, 2018, 2017 e por aí fora. Prometemos e propusemo-nos, nos mesmos exactos termos, há um ano, como há dois ou há três. E já então nos deparávamos com as promessas firmes, seríssimas e definitivas da «vida nova». O ano novo afinal foi velho …

O terceiro problema (digo problema, porque neste em particular vejo mesmo um problema) é o da constância dos pontos de melhoria. O desafio do novo ano, seja lá qual for a convenção que o suscita, é pertinente – porque é pertinente o anseio de corrigirmos os erros cometidos, de melhorarmos os resultados, de alcançarmos metas mais ambiciosas. Já perde pertinência se o desafio for, em boa verdade, requentado. É que já não será (apenas) um problema de credibilidade. Se os pontos de melhoria se mantêm inamovíveis, talqualmente nos anos anteriores, fica a ideia de que estamos reféns do ano velho (no seu sentido figurado e pejorativo) e nada permeáveis ao ano novo e à sua «vida nova». E aí sim, temos um problema.

Haverá domínios onde o diagnóstico requentado é mais estafado. O da justiça será um deles (e estamos também às portas dessa outra convenção que é o «novo ano judicial» em que brilharão os chavões das pendências nos tribunais, da celeridade processual ou da falta de meios de investigação). O das finanças públicas será outro (e está aí a discussão de sempre sobre o novo Orçamento do Estado e os disfarçados aumentos de impostos). O da saúde talvez tenha ganho protagonismo (com os problemas das listas de espera, das urgências no limite, e da falta de médicos no SNS). E o da educação também (apesar do ano novo já vir de Setembro, onde faltam auxiliares e grassa a tensão entre professores, alunos e encarregados de educação).

Mas se há domínio onde é urgente uma vida nova (a partir da velha, claro!), esse é o pessoal. Porque é no dia em que esse «ano novo vida nova!» – esses «amanhã começo a dieta», ou «começo a correr» ou «começo a ler» – deixar de se traduzir em declarações não sérias, meros jogos de palavras, frutos de convenção, e passar a decorrer de propósitos firmes e sérios, que aqueles problemas cedem. Esses mesmos - os da credibilidade e dos diagnósticos requentados. Há-de começar na intimidade e no domínio pessoal, pois se assim for chegará aos outros (à justiça, à saúde, à educação, e por aí fora).

A ver se para o ano os diagnósticos não são requentados. Por outras palavras, que 2020 não seja um velho ano novo.
Bom ano de 2020!

*Texto escrito e publicado no Ponto SJ (www.pontosj.pt)