Preguiçosa e presunçosamente olhamos à distância para os triunfos eleitorais de Trump, de Bolsonaro, de Marine Le Pen, de Salvini, de Orban, dos gémeos Kaczyński, e por aí fora (mesmo que não os possamos nivelar pelo mesmo registo).
Resolvemos todos esses fenómenos com «ismos» e «istas» simplificadores e confiamos que por cá a «cultura democrática» é de filigrana. Esses loucos eleitores (mesmo que de todos os extractos e origens, não nos enganemos) são fascistas, racistas, xenófobos, securitários. Nós – pura raça lusa – somos tolerantes, interculturais, genuinamente democráticos …
Pois, esqueçam. Somos iguais. Apenas estamos um pequeno passo atrás. Ainda não esgotámos a paciência (ou consentimos que gozem mais connosco, o que não é bem uma qualidade).
A antecâmara do sucesso de um Bolsonaro – o caldo, prefiro chamar-lhe «o caldo» – vem sendo minuciosamente condimentado. O «ponto de rebuçado» em Portugal já terá estado mais distante.
Quando olhamos à sucessão de escândalos financeiros - aos buracos do BPN, do Banif, do BES, aos calotes da Caixa. Quando sentimos a desproporção do Estado impiedoso cobrador vs Estado pagador e prestador de serviços essenciais. Quando, sem pudor e sem freio, assistimos à transumância de génios da gestão (sempre os mesmos há dezenas de anos) entre empresas públicas (ou como se fossem) monopolistas (ou como se fossem) ou à transumância (transumância é mesmo a palavra justa) de eleitos entre as listas, entre as entidades, entre os lugares e as cadeiras dos partidos no Estado. Quando ficamos com a sensação (ou a certeza) de que nos destinam uma permanente reserva mental, que tudo não passa de um jogo de comunicação, senão mesmo de protecção recíproca entre protagonistas ao mais alto nível e em temas muito sensíveis (as mortes nos incêndios de 2017 talvez seja o caso mais gritante, mas também serve o caso de Tancos).
Quando nos cercam com o politicamente correcto, em que nos negam a liberdade de pensar em público sobre tensões raciais, religiosas, morais. Quando nos controlam o vocabulário (caros e caras, cartão de cidadania, e afins…).
Quando nos impõem o pensamento único – como derivada do cerco do politicamente correcto – em que qualquer opinião diferente em matérias fracturantes é imediatamente catalogada de xenófoba e fascista (reparem que o casamento gay foi aprovado há 8 anos com os votos desfavoráveis de uma maioria de deputados de direita e alguns do PS, o aborto foi aprovado há 11 anos com 40% de votos contra no referendo, e hoje quem ousa sugerir revisitar os temas é achincalhado!)
Quando nos abastardam a liberdade individual (é mesmo de liberdade que falamos), porque se intrometem na nossa alimentação, nos nossos hábitos sociais (contraditoriamente não nos deixam beber ou fumar aos 16 anos, mas acenam-nos com a mudança de sexo). Quando nos querem substituir na educação dos nossos filhos, negando-nos a liberdade de os orientarmos de acordo com os nossos valores, de gerirmos a sua inocência e de sermos os «pais» deles (que somos!). Quando o palco está sempre cativo dos mesmos que, de facto, falam a mesma linguagem porque habitam no consenso dos temas fracturantes, sem reparar que são cada vez mais os que os não percebem, não se revêm e não lhes ligam.
Quando tudo isto (e muito mais) – a que se junta a sensação de ausência de alternativa ou de diferença relevante no quadro das propostas convencionais – é o mundo que nos é proposto e imposto, pois está formado o caldo perfeito.
Já faltou mais. Já faltou mais para o dia em que quem não tiver tento na língua, não se subjugar a este caldo e tiver coragem, comece a atrair este exército adormecido. Pouco interessará o que se disser ou defender desde que soe a coragem, a murro na mesa e, no fundo, a sensação de libertação.
Ainda vamos a tempo. Mas não me parece que falte muito. Porque o caldo está mesmo quase «perfeito».
#Jardim