quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Distraído no Natal

Saio de casa, ligo o carro e sigo pelo caminho de sempre, pelo cruzamento de sempre, pelo semáforo de sempre. Por instinto (deixem-me culpar o instinto) desejo evitar o costumeiro “não tenho nada” (normalmente reforçado por uma expressão qualquer, pouco natural e nada convincente). De cada vez que o desejo não se cumpre e o confronto se dá, nem sempre lhe respondo com o “não tenho nada” e lá lhe entrego os 50 cêntimos que me sobram (sobrar é o verbo justo, não vale a pena romancear). Mas a regra é o “não tenho nada”.
Aquele agoiro pelo verde no semáforo que me há-de safar do confronto com a necessidade, é mesmo expressão de cobardia. E pior. De indiferença. E - ainda pior - de total habituação.
A cada confronto, nunca se me impôs. Nunca me destinou senão compreensão ou gratidão. E eu, cobarde, só peço que o semáforo esteja no verde...
Ontem, permeável à quadra e incoerente (sou um fruto exemplar dos tempos) desejei que o verde demorasse. Queria encher-lhe a mão com um magnânimo euro. E quando o fiz nem tempo tive para respirar o orgulho espúrio que me animava. Do banco de trás, na voz do meu filho que, com 3 anos, quer saber e perceber tudo, só ouço “quem era pai, era o Menino Jesus?”.
Sobressaltado murmurei para mim mesmo. Nem sei quem é, como se chama ... mas era. Era o Menino Jesus.
Eu é que ando distraído.


#Jardim

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