- Que sorte poderes ir a pé para o escritório.
- Sim. É bom. E eu gosto de andar a pé. Conhecem-se as ruas ao pormenor. As fachadas, os portões, as campainhas. Os passeios, as árvores, os lampiões. As sombras, as marcas e os sons. E as pessoas, claro.
Podemos fazer o mesmo percurso milhares de vezes que há sempre alguma novidade.
- Que sorte …
- Sim. Mas sorte não é bem o termo. Há sempre um mas.
- Não vais dizer que andar de carro também é melhor. E dispenso esse lugar comum de que sabe bem ouvir rádio e que no carro temos o «nosso mundo» que ninguém perturba...
- Não. Também podes criar esse teu mundo quando andas a pé. O problema de andar a pé é que eu só o consigo fazer de duas maneiras. Ou atento ou distraído. E nenhuma delas é perfeita.
- Não inventes. Nem compliques.
- Não tem a ver com isso. Quando vou atento temo sempre que me caia qualquer coisa na cabeça. Tanto pode ser uma pinga pelo colarinho no justo momento em que vou a passar (que é tão tolerável como irritante) como pode ser outra coisa qualquer. Há sempre alguma fachada com andaimes. E se reparares bem a segurança daquilo é muito duvidosa. É por isso que vou sempre o mais de fora do passeio possível.
- Então tenta distraíres-te.
- Também não serve. Queres ver? Ontem, pela milésima vez (talvez centésima, não exageremos), voltei a ser sobressaltado. No mesmo portão de sempre. O mesmo cão de sempre. O mesmo susto estúpido de sempre. Que para mais, com o salto ridículo que dei, fui aterrar directamente no dejecto do passeio. Não sei de que cão, mas o cheiro … também era o de sempre.
#Saladeestar
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