O Paulo Baldaia, director do DN, vem hoje em
defesa do trabalho do Público, dirigido pelo David Dinis, a propósito da insuspeita
oportunidade jornalística da «investigação» sobre a não publicação das estatísticas
das transferências para offshores. Serve esse exercício do Paulo Baldaia para
alertar para o problema dos factos «criados» pelos comentadores que contrastam
com os factos reais. No caso, o facto «criado» seria a acusação de que a
notícia da semana passada era uma repetição da que foi publicada há um ano. O
facto real, segundo o Paulo Baldaia (e secundado, entretanto, e naturalmente,
pelo David Dinis) era o de que os 10.000 milhões de euros cuja não publicação
das estatísticas era agora noticiada, acrescia à não publicação também
noticiada há um ano (creio que é mais ou menos isto).
Louvo-lhe o gesto ao Paulo Baldaia (como concorrente, fica-lhe bem), mas não sei se o
acompanho, isto é, não estou certo de que seja essa a denúncia mais relevante a fazer. Quer dizer, eu percebo
e também me insurjo contra esta «criação» permanente de factos que depois não
são comprovadamente verdadeiros (e ainda estou para saber se este caso até será
o melhor exemplo para o exercício de denúncia do Paulo Baldaia). Para mim –
simples leitor, simples interessado e ainda mais simples cidadão que não
desiste de distinguir os comentadores dos jornalistas – muito mais grave que os
não factos criados por essa turba de comentadores são os factos sugeridos em
peças jornalísticas que, reconhecidamente não são verdadeiros, mas que passam
subliminarmente.
Eu explico.
Neste caso em que se noticia a não publicação
de estatísticas – sublinho, de estatísticas – passa quase despudoradamente a
ideia de que a notícia real é a de que foram transferidos, à margem da lei, 10.000
milhões de euros para offshores. Os mais distraídos e permeáveis ao «spin» até
ficam com a ideia que esses muitos milhares de milhões foram transferidos por
ordem do então Secretário de Estado. Ou que foram transferidos sem comunicação
à Autoridade Tributária. Ou que não foram inspeccionados pela Autoridade
Tributária por ordem do Secretário de Estado. Ou que já nem podem ser inspeccionados
(singrando a ideia de que a Autoridade Tributária sindica tudo ao minuto). Ou mesmo
que esses 10.000 milhões correspondem a receita que deveria ser do Estado (daí
as comparações com o orçamento do SNS).
Ora convém dizer que o que está em causa – e não
estou a desvalorizar, estou apenas a hierarquizar – é a publicação ou não
publicação de estatísticas. E desse facto não depende nem dependeu ao longo dos
últimos 4 anos (era só o que faltava!) o trabalho da Autoridade Tributária de
verificação e de correcção, se for o caso.
Por estes dias já não sei quantas vezes discuti
sobre este caso – ao ponto de me ter de esforçar para lá do normal porque não
queriam acreditar em mim. Nenhum dos meus interlocutores achava que o problema
estava na alegada não autorização de publicação de estatísticas. Todos – todos mesmo
– achavam que era um caso de receitas de impostos que fugiram para offshores e
que o Secretário de Estado deu ordens à Autoridade Tributária para não
investigar.
Mais grave que os não factos criados pelos
comentadores são os não factos sugeridos pela hiperbolização jornalística da
gravidade de factos que, desse modo, se tornam mais apelativos. Eu percebo o
esforço na criação do embrulho (Offshores! Secretário de Estado não autorizou a
AT!), mas ele não pode ir ao ponto de «criar» factos na cabeça (ou no
subconsciente) do público.
O exemplo desta «investigação» do Público é um
bom mau exemplo do que aqui denuncio. Mas há muitos mais. Ainda me hei-de
dedicar a essa «outra estatística».
#Escritório
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