terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

As paragens de autocarro

Há os monumentos. Há os jardins e Igrejas. Os passeios com vistas e as ruas mais típicas. Está tudo muito certo. Mas se quiserem celebrar os lugares mais relevantes não podem desprezar as paragens de autocarro. Sim. As paragens de autocarro.
Não quero exagerar, mas viver as paragens de autocarro é uma espécie de recruta indispensável para sentir a cidade.

Eu, por exemplo, devo às paragens de autocarro muitas horas de paciência, muitos momentos de desesperança, de frio, de fome e de cansaço.
A que me torturou vezes sem conta foi, sem dúvida, a da Rua Júlio Dinis, em frente à Residencial Vice-Rei que fica por cima da Petúlia. A montra da Petúlia – aquela montra que ainda hoje merecia ser trasladada diariamente para o Museu de Serralves – fez-me borbulhar de fome e apetite vezes sem conta!
Também penei muito no Castelo do Queijo à espera ou do 1 (que vinha do Bolhão) ou do 19 (que vinha da rotunda). Ali sentia-me abandonado, sem uma referência ou uma protecção (não havia mesmo nada). Ainda investi umas quantas vezes, a pé, pela Brito Capelo a dentro (mas não era grande ideia, pela duvidosa idoneidade dos transeuntes daquele tempo). No mercado de Matosinhos sofria mais com a caminhada que ainda tinha de cumprir (tantas vezes no escuro). Na paragem da Senhora da Luz (na esquina da farmácia em frente à Tavi) custava-me aquele relambório de mães a passar, umas atrás das outras, com os filhinhos no carro. Todas menos a minha.
O problema das «minhas paragens de autocarro» é que elas, por regra, moravam em ambientes escuros e degradados, onde se temia e tremia, e onde, não sei porquê, me via sempre às horas de mais ninguém. E mesmo aquelas mais convencionais – como as da rotunda, as da constituição, as do campo de 24 de Agosto, as de Fernão de Magalhães, as da Praça Galiza – tinham o condão de me obrigar a convívios tensos (os gunas, sempre os gunas, essa instituição do Porto).
À semana, quando o Porto jogava (e eu não deixava de ir às Antas), a tensão maior era a de chegar a Júlio Dinis ou à rotunda a tempo do último 76 ou 19 (das vezes em que fiquei «sem rede» não tive alternativa senão ligar de uma cabine para casa, recorrendo ao número de cobrança no destino).
Se me fez mal? Não fez. Se me soube bem? Não soube. Mas a verdade é que ainda hoje dou por mim de mãos no volante, sem razão e sem destino, a passar pelas paragens de autocarro. Só para tirar de esforço. Sorrio com altivez. Quase chego a buzinar (para que vejam como, passados estes anos, sou um homem seguro que suplantou a recruta).


#Saladeestar

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