Não
é de hoje nem de ontem. As entrevistas do Adolfo – e as suas prestações em
debates ou intervenções públicas em geral – valem a pena. Têm conteúdo,
transpiram convicção e vêm invariavelmente adornados com aquele estilo
acutilante e galvanizador que tanta falta faz na intervenção política.
A
«entrevista de vida» deste fim-de-semana no Expresso não desiludiu. Tem lá
conteúdo, convicção e acutilância de sobra. Podia não ter qualquer fotografia.
Podia até nem ser identificado o entrevistado. Está lá o Adolfo que todos
reconhecem. E por isso o destaque que o Adolfo vem merecendo é merecido (passo
a redundância) e não advém de qualquer revelação sobre a sua orientação sexual
(já lá vou).
O
meu primeiro contacto com o Adolfo foi já há 15 anos (ambos ainda longe dos
ambicionados 40 … impressionante como o tempo passa). Estava ele na Secretaria
de Estado da Segurança Social e eu no Ministério da Justiça. Não sei se ele se
lembra, mas eu lembro-me de ter gostado logo dele. Depois, nos anos de
escritório que acumulámos, e nos de militância no CDS (a minha manifestamente
incipiente e bem mais recente), fomo-nos encontrando e conversando muitas
vezes, com ou sem a intermediação de grandes amigos, mas sempre com gosto e amizade (falo
por mim, naturalmente).
Digo
isto para dizer o que quero dizer sem que façam presunções ou tirem ilações sem
fundamento.
Eu
concordo e discordo do Adolfo. Talvez aconteça mais concordar. Revejo-me no
estilo (que é consistentemente galvanizador e inspirador). Revejo-me na forma
genuína como sempre é frontal, destemido e transparente. Revejo-me na sua
militância pragmática, mais centrada nas respostas possíveis e nas soluções
concretas, e não tanto nos modelos ideais (que em certa medida têm de
conviver). Revejo-me no desassombro com que descose o «socialismo» e a
dependência tantas vezes injustificada do Estado. Revejo-me na sua sensibilidade
e fidelidade ao interior (e à Beira e à Serra). Revejo-me (chego a invejar)
o desassombro com que consegue agregar as pessoas e gerar ideias (e energia
para essas ideias). Revejo-me na tolerância sincera e convicta que pratica na
sua acção política (não deve haver ninguém que alguma vez se tenha sentido
desrespeitado pelo Adolfo em função das suas ideias). Revejo-me na sua abertura
aos outros e ao mundo. Revejo-me até na peculiaridade dos seus guilty
pleasures. E revejo-me, em grande parte (mas não totalmente), no seu amor à
liberdade.
Aquilo
em que verdadeiramente não me revejo tem sobretudo a ver com a sua hierarquia
de valores. Quando digo que me revejo – mas não completamente – no amor à
liberdade que apregoa e pratica, pretendo dizer (vou ser directo) que não me
revejo na secundarização do valor da vida. A frase que o Adolfo escolhe para
representar a centralidade da liberdade no seu quadro de valores – «a liberdade
é o meu valor primeiro e vem antes da vida» – toca justamente no ponto em que
eu não me revejo no Adolfo. É que «sem vida não pode haver liberdade»
(escolheria esta frase na entrevista de vida que não chegarei a dar). Sim, a
liberdade é primordial. Mas não há liberdade sem vida (que liberdade tem aquele
que não deixam nascer?). E acho que daí decorre, em certa medida, a
mundividência do Adolfo que não é a minha. Se quiserem apelar à métrica de
preconceitos consagrados, eu serei um conservador. Sou contra o aborto. Vejo o
modelo de adopção numa lógica substitutiva que, centrada na criança, lhe
oferece preferencialmente um pai e uma mãe (porque terá sido justamente o que
lhe faltou). E nesta nova saga da eutanásia eu estou do lado da vida e da
aposta nos cuidados paliativos.
Mas
este meu conservadorismo não me condena. Na mesma métrica de preconceitos – que
não subscrevo – eu arrisco dizer que sou «cosmopolita». Pois se gosto dos «sinais exteriores de cosmopolitismo» como viajar, ler, ir a museus e ao teatro, ouvir diferentes estilos
musicais, e até tenho guilty pleasures peculiares (não é tanto o festival da
eurovisão, no meu caso são mais as raves), o que serei eu? E se me vejo como
alguém que ama a liberdade, que respeita e tantas vezes admira profundamente (e
mais: tenta compreender de coração aberto!) quem não partilha da mesma
mundividência, o que serei eu? Um ultramontano?
E
com isto chego ao que não gostei da entrevista. Não. Não foi ter assumido a sua homossexualidade. Como o próprio Adolfo bem lembra, não creio que
seja um «acto de coragem». Chego a achar que, nos dias que passam (e as
reacções estão aí para podermos avaliar melhor), parece mais um trunfo que
propriamente um empecilho (e não deve ser nem uma coisa nem outra). No que me
toca, percebo mal a revelação enquanto revelação (não consigo deixar de o
dizer). E preferia que tivesse sido um considerando «a latere» (não há que esconder) e não tanto um
statement ou revelação (o Filipe Santos Costa, que orientou a entrevista - mais connversa - com uma cadência inteligente, andou às voltas do tema com sete
perguntas, o que só se compreende por se procurar uma revelação).
Mas
se quiserem uma ilação útil sobre o tema – e que me é suscitada pelas palavras
que o Adolfo escolheu quando se afastava da ideia de coragem – ela prender-se-á
com a coragem, sim, mas com a coragem que o Adolfo não precisou de ter e que há
10 ou 20 anos talvez precisasse. Fiquei a pensar no sofrimento (que é o outro
lado da coragem de que falam) de tantos com quem me cruzei e que admiro. E esse
não é um sentimento que me deixe confortável. Será tema para um outro post, mas
que não se confinará à questão da homossexualidade há 10 ou 20 anos. Houve
muitas (demasiadas) tensões de que não cuidávamos (e que talvez ainda não
cuidemos devidamente) e que exigiram e exigem a coragem de que falam.
PS. Custa-me que a entrevista não se tenha libertado dos preconceitos de sempre (o entrevistador não precisava de dar voz a tantas ideias feitas, mesmo que possam não ser as suas). Como a ideia de que o multiculturalismo inspira horror à direita (no caso veio a propósito da world music ... e sempre se ressalvou que não seria à direita toda). Como a ideia de que a tolerância se aprende à esquerda (à mesa com o lado da família de esquerda). Ou mesmo a ideia de que é curioso – e é preciso explicar com muitas palavras – que alguém que ama a liberdade milite no CDS (o «porquê o CDS», nestes contextos, é demasiado clássico)
#Saladeestar
#Escritório
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