A ida ao cinema era um programa tão desejado quanto raro. Entre os 6 e os 15 anos sou capaz de relatar cada um desses «programões» (era assim que os vivia). Os filmes, as companhias e o gozo que guardei dessas "precárias".
A viragem – já explicarei o que é isso da viragem – deu-se numa tarde de sábado, contra todas as previsões e sem qualquer expectativa.
Vinha de uma manhã intensa e gloriosa – na idade em que a intensidade e a glória se mediam pelos golos marcados e pelas vitórias alcançadas nos vários torneios de futebol que preenchiam os meus fins-de-semana.
Por iniciativa de uma voluntariosa mãe fomos, em equipa, almoçar fora (outro programão e também raro). Éramos sete magníficos com uma tarde pela frente.
Ainda estou a ver a secção de classificados do jornal que folheámos para escolher o que fazer. E recordo-me ainda mais do destino eleito por aclamação.
Foi na rua Dr. Ricardo Jorge, no Porto, que ao início da tarde fomos triunfantemente depositados. Íamos ao cinema!
Dizer que foi especial talvez seja uma banalidade (com 10 ou 11 anos ir com sete amigos ao cinema era já de si especial). Sem imaginar o que me esperava, vi-me de bilhete na mão pronto para ir ver o "Cocktail" com o Tom Cruise e a Elisabeth Shue como protagonistas.
Lembro-me de ficarmos todos juntos numa fila perdida no meio do andar de baixo do enorme anfiteatro do icónico e repleto cinema Trindade (foi antes da transformação em duas salas).
Naquela tarde não foi só um filme que vi. Descobri o charme e o potencial do cinema. O escuro. A intimidade. A sensação de estar lá dentro, numa espécie de osmose entre a nossa pulsão e o desenrolar do argumento.
Até então só havia experimentado filmes infantis ou de humor (vinha de ver o «Gente Gira 2» no Pedro Cem …). E se desta vez o filme não era infantil eu, infantilmente, apaixonei-me. Quer dizer, não me apaixonei. Fiquei siderado na protagonista da película (era assim que nos apaixonávamos aos 10 anos). Foi a primeira vez e a minha inocência não me advertira para a hipótese. Ao intervalo – havia sempre intervalo – estava meio sem jeito e só pensava na Elisabeth Shue e no seu sorriso sedutor para o Barman estiloso. Apesar da minha fragilidade, passou rápido, devo advertir. Mas foi suficiente para mudar as minhas idas ao cinema.
Só posso vibrar com o regresso anunciado do cinema ao Trindade - o palco da "viragem". E, já agora, de muitas mais e melhores memórias. Foi lá que vi também, por exemplo, a "Lista de Shindler" ou "O silêncio dos inocentes" - filmes incomparáveis ao banal Cocktail. Afastado que estou das idas ao cinema, devo confessar que sinto o chamamento com o regresso do Trindade. Depois da "viragem" é lá que celebrarei o "regresso".
#Saladeestar
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