A esquerda e a direita (tomemos por bons estes chavões
para identificar sobretudo o CDS e o PSD, de um lado, e o PS, do outro) estão
mais sintonizadas do que se imagina. E nunca, como neste orçamento, essa sintonia
foi tão evidente.
Desde logo a comunhão de expectativas. À
direita germinava a percepção de que o Orçamento do Estado para 2017 seria o
momento impossível. À esquerda, por sua vez, tinha-se consciência de que seria
um exercício a raiar o impossível. Aos primeiros correspondia um sentimento de esperança
e apreensão. Aos segundos também de esperança e apreensão.
Com a apresentação da proposta na passada
sexta-feira, mais do que críticas ou loas de substância, o que vemos é desilusão
ou alívio em face daquelas expectativas. À direita por aquele impossível afinal
ter sido possível (com tudo o que isso representa). À esquerda por aquele quase
impossível afinal ter sido possível (com tudo o que isso representa).
Pode parecer mas não estou a fazer nenhum jogo
de palavras. Ninguém, no seu perfeito juízo, gosta deste orçamento. Ninguém, no
seu perfeito juízo, faria muito melhor.
Propaganda à parte, que governo gostaria de
criar um novo imposto? Que governo gostaria de adiar o fim da sobretaxa? Que
governo prefere fazer aumentos e acertos simbólicos em lugar de os fazer com
relevância e efectivo impacto?
O discurso do gradualismo (da direita) versus o
aceleramento da devolução de rendimentos e da revogação dos cortes (da esquerda)
não é substantivo nem real.
O espartilho orçamental em que nos movemos
colectivamente potencia a demagogia no discurso mas não esconde o essencial – em
face das exigências de que não abdicamos, e pressionados pelo imediato, não conseguimos
diminuir os altos níveis de tributação vigentes (seja nos impostos directos ou
indirectos, gerais ou especiais, sobre o rendimento, o património ou o consumo).
A direita ontem preferia ter tido margem para não subir galopantemente o IRS. A
esquerda hoje preferia ter margem para baixar o IRS que ontem subiu. A direita
ontem e a esquerda hoje preferiam não ter de recorrer a regimes especiais de
regularização de dívidas para arrecadar desesperadamente receita. E a gestão
mais apertada da despesa do Estado – as famosas cativações – não são um
exclusivo de nenhum dos lados e não emanam de qualquer convicção ideológica (e estou
convencido que é um desporto mais praticado à esquerda, por muita paixão e amor
que esta coloque no discurso sobre o estado social e os serviços públicos).
Claro que há questões técnicas dispensáveis e
mesmo condenáveis na proposta de orçamento (a começar pelo atabalhoado adicional
ao IMI). Claro que há opções simbólicas de governação (o modo como se encaram as
escolas com contratos com o Estado). Claro que há opções com consequências (o
caso da TAP e da gestão dos transportes públicos talvez seja o mais
paradigmático). O problema, todavia, é que para lá do discurso não sabemos bem
se poderia ser substancialmente diferente. E se pensávamos que por causa da
esquerda do PS este não conseguiria – daí a apreensão que pairava – agora estamos
reduzidos, sem convicção para lá dos slogans, à desilusão de uns e ao alívio de
outros. Chega a ser infantil. Mas este é mesmo o orçamento da desilusão e do
alívio.
#Escritório
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