segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O orçamento da desilusão e do alívio

A esquerda e a direita (tomemos por bons estes chavões para identificar sobretudo o CDS e o PSD, de um lado, e o PS, do outro) estão mais sintonizadas do que se imagina. E nunca, como neste orçamento, essa sintonia foi tão evidente.
Desde logo a comunhão de expectativas. À direita germinava a percepção de que o Orçamento do Estado para 2017 seria o momento impossível. À esquerda, por sua vez, tinha-se consciência de que seria um exercício a raiar o impossível. Aos primeiros correspondia um sentimento de esperança e apreensão. Aos segundos também de esperança e apreensão.
Com a apresentação da proposta na passada sexta-feira, mais do que críticas ou loas de substância, o que vemos é desilusão ou alívio em face daquelas expectativas. À direita por aquele impossível afinal ter sido possível (com tudo o que isso representa). À esquerda por aquele quase impossível afinal ter sido possível (com tudo o que isso representa).

Pode parecer mas não estou a fazer nenhum jogo de palavras. Ninguém, no seu perfeito juízo, gosta deste orçamento. Ninguém, no seu perfeito juízo, faria muito melhor.
Propaganda à parte, que governo gostaria de criar um novo imposto? Que governo gostaria de adiar o fim da sobretaxa? Que governo prefere fazer aumentos e acertos simbólicos em lugar de os fazer com relevância e efectivo impacto?
O discurso do gradualismo (da direita) versus o aceleramento da devolução de rendimentos e da revogação dos cortes (da esquerda) não é substantivo nem real.
O espartilho orçamental em que nos movemos colectivamente potencia a demagogia no discurso mas não esconde o essencial – em face das exigências de que não abdicamos, e pressionados pelo imediato, não conseguimos diminuir os altos níveis de tributação vigentes (seja nos impostos directos ou indirectos, gerais ou especiais, sobre o rendimento, o património ou o consumo). A direita ontem preferia ter tido margem para não subir galopantemente o IRS. A esquerda hoje preferia ter margem para baixar o IRS que ontem subiu. A direita ontem e a esquerda hoje preferiam não ter de recorrer a regimes especiais de regularização de dívidas para arrecadar desesperadamente receita. E a gestão mais apertada da despesa do Estado – as famosas cativações – não são um exclusivo de nenhum dos lados e não emanam de qualquer convicção ideológica (e estou convencido que é um desporto mais praticado à esquerda, por muita paixão e amor que esta coloque no discurso sobre o estado social e os serviços públicos).


Claro que há questões técnicas dispensáveis e mesmo condenáveis na proposta de orçamento (a começar pelo atabalhoado adicional ao IMI). Claro que há opções simbólicas de governação (o modo como se encaram as escolas com contratos com o Estado). Claro que há opções com consequências (o caso da TAP e da gestão dos transportes públicos talvez seja o mais paradigmático). O problema, todavia, é que para lá do discurso não sabemos bem se poderia ser substancialmente diferente. E se pensávamos que por causa da esquerda do PS este não conseguiria – daí a apreensão que pairava – agora estamos reduzidos, sem convicção para lá dos slogans, à desilusão de uns e ao alívio de outros. Chega a ser infantil. Mas este é mesmo o orçamento da desilusão e do alívio.

#Escritório

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