quarta-feira, 26 de julho de 2017

Não confundam

O que mais me incomoda (e desculpem estar sempre a voltar ao tema) não é esta coisa de serem 64 ou 65, ou 80 vítimas mortais. Fossem muito menos e estaríamos sempre, obviamente, perante uma enorme tragédia. E o número de vítimas não é de esquerda ou de direita. Nem deve ser causa de disputa política. Uma coisa é uma tragédia – que todos estamos convencidos que poderia ter ocorrido às mãos de qualquer governo – outra coisa é a reacção do Estado, naturalmente tutelado por um governo em concreto.

Eu tenho profunda pena – lamento quase ao ponto de sentir vergonha – que um governo (não interessa se é da minha simpatia), num contexto como o que enfrentámos de enorme tragédia, não tenha sido capaz de transmitir uma imagem de comando, de controlo, de gestão rigorosa e profissional das operações. Lamento que nos tenha sido apresentada uma ministra da administração interna que não serve nem nunca serviu (e eu digo isto porque o meu desejo era o de que tivéssemos um titular da pasta com competência e pulso, porque os há como é óbvio no PS e na sua área de influência). Lamento que os serviços do Estado também não tenham estado à altura do momento. É a partir daí que eu passo para o chamamento à responsabilidade do Governo. Não se trata de lhe assacar a tragédia propriamente dita (insisto: seria desonesto não reconhecer que ela poderia ter ocorrido às mãos de qualquer governo). Trata-se, sim, de lhe assacar a falta de comparência e de elevação. E, obviamente, trata-se também de lhe perguntar pela bandalheira e contradição dos serviços que tutela, por essa prioridade meio macabra do «focus grupo», e pela desconfiança com que contaminou a informação sobre tudo e mais alguma coisa.

A dúvida dos últimos dias a propósito do número de vítimas mortais e dos critérios assumidos pelo Estado nessa contabilização só foi tema porque não houve essa liderança e clareza. Pelo contrário, houve opacidade, gestão de popularidade, lançamento de dúvidas e perguntas de quem esperávamos respostas e certezas (na medida em que estas fossem possíveis).

Ai afinal confirma-se que são mesmo 64 as vítimas? Ainda bem, que eu não chafurdo nem nunca chafurdei no tema. Mas lamento que o ambiente gerado pelos protagonistas principais tenha consentido a dúvida.

A pergunta é retórica: como avaliam a reacção e a organização dos vários serviços públicos e dos vários membros do governo à enorme tragédia de Pedrógrão Grande? Ocorrem-vos termos como «irrepreensível», «impecável», «organizada», «transparente» e «elevada»? Associam aos protagonistas que nos foram exibidos uma imagem de comando e liderança?

O tema não é a lista de vítimas mortais estar ou não estar certa. Não confundam. O tema, como dizia lá em cima, é esta sensação de profunda pena. Profundíssima pena. Fosse outro o governo e tivesse acontecido tudo nos mesmos termos e podem ter a certeza de que, no mínimo, diria exactamente o mesmo. Não confundam.

#Jardim

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