Não vou falar sobre as quotas. Nem sobre as suas
causas.
Também vou pôr de lado o equilíbrio, a vocação
de cada um, as apetências e até o que diz respeito à natureza. São tantas as
variáveis que não é disso que vou tratar.
Vou falar sobre nós (em sentido figurado).
Sobre a nossa vida em casa. Sobre o absurdo que domina o nosso subconsciente. E
como tudo fica ainda mais exacerbado na hora de cuidar dos filhos.
Vou resumir o meu ponto a este diálogo
clássico:
- E ele, ajuda lá em casa? - Ele é impecável,
ajuda imenso.
O marido ou pai que merece reconhecimento tem
na voz da sua mulher (e da pequena sociedade que o rodeia) um sentido «ele ajuda
imenso».
Ele muda a fralda aos filhos, dá-lhes banho e
veste-os, dá-lhes de comer (e tantas outras banais tarefas próprias em casa e em família) e lá vem um «está a ajudar», «ajuda imenso».
Não há reconhecimento mais discriminatório e preconceituoso
que este.
As mesmas tarefas, numa mulher e numa mãe, são
simplesmente o cumprimento natural do que lhe compete. A cada fralda que uma mãe
muda, a cada banho, a cada refeição que serve aos seus filhos, ninguém se
lembra daquele «ajuda imenso». Ela nunca «ajuda imenso». Ela faz. E esse «faz»
não lhe garante qualquer galardão e admiração.
Se invertermos os papéis, o exercício é ainda
mais impressionante. Uma mãe ou mulher que por razões que não interessam a
ninguém (que tanto podem ser as melhores como as menos respeitáveis) está menos
em casa por troca com o marido, na linguagem clássica dificilmente se livra do
«é ele que faz tudo!». Mesmo que ela faça as mesmas tarefas que, na
distribuição tradicional, garantiriam ao marido o reconhecido «ajuda imenso».
Porque a elas só está disponível fazer, sem elogio e sob pena de crítica
indignada. Porque, no fundo, ainda não nos libertámos da ideia que é «delas»
essa função. E que ele, se fizer alguma coisa, está a «ajudar» (como se fosse a
avó ou uma tia que ajuda).
Dizem que as coisas estão mais equilibradas –
que os maridos e pais, por contraste com os seus próprios pais, «hoje fazem
tudo». Mas a verdade é que no plano reputacional os nossos subconscientes ainda
discriminam.
Certamente, a cada fralda que um pai muda aos seus
filhos, a cada banho, a cada refeição que lhes serve, está a fazer uma tarefa que
não merece destaque porque é dele. E muito menos serve para alimentar aquele
diálogo clássico do «ele ajuda imenso».
#Saladeestar
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