sexta-feira, 28 de julho de 2017

Era uma vez um menino

Quando no passeio de mão dada com a avó, nunca aquela criança – mesmo nunca – escapava à tentação da travessura. Tanto podia ser a de se libertar e fugir, como a de saltar para a rua perigosa onde circulavam, ameaçadores, os carros e as motas. E lá vinha a pedagogia clássica à volta do «era uma vez um menino».
«Era uma vez um menino», começava sempre a avó, «que ia de mão dada no passeio, fugiu e foi raptado … nunca mais viu os pais, os irmãos e os amigos …», ou então «era uma vez um menino que ia de mão dada no passeio, decidiu saltar de repente, e … foi atropelado …». «E morreu?», perguntava o aflito petiz à avó. «Morreu», respondia sorumbática a avó, convencida do sucesso do método.
As histórias do menino conheceram várias versões. Quando o apetite rareava na hora própria a versão era a do «era uma vez um menino que não queria comer, não se portava bem à mesa e então nunca mais lhe deram de comer. Passados uns dias começou a ficar fraquinho, a não conseguir falar, ou rir, ou brincar ou jogar futebol. Como não conseguia fazer nada, já ninguém queria estar com ele. E deixou de ter amigos».
Nas sonoras birras, por exemplo, a história do menino servia para advertir para a perda de voz para sempre (o «para sempre» era o indispensável ingrediente dramático).
O enredo de cada história variava em função do ponto de partida. Mas o sujeito (um menino) era sempre o mesmo e o drama do seu destino era sempre impressionante.
Quando me couber aquele papel de avó (será mais avô), repetirei algumas daquelas histórias (pouco me interessarão os méritos pedagógicos, será mesmo por homenagem). E terei mais uma para contar.
Era uma vez um menino absolutamente normal. Nasceu no Porto, cresceu, tirou o seu curso, casou e teve filhos. E quando fez 39 anos recebeu centenas de parabéns. Centenas mesmo! Ficou de tal forma embasbacado que nem sabia como agradecer (porque sabia não merecer).
E então refugiou-se num «obrigado a todos» (a sério, não disse «a todas e a todos» porque se empertigava com esses tiques do politicamente correcto).
Não. Eu sei que não é uma história com drama, não parte sequer de alguma travessura e tem duvidosa utilidade pedagógica. Mas o sujeito (um menino) é o mesmo e o desfecho é também impressionante.
Muito obrigado a «todos», deste menino que vos estima!

#Saladeestar

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