quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"A viagem"

A mise em scene (mise en scene, sempre gostei de dizer mise en scene) da viagem nas férias de Verão é sempre mais complexa, consome-nos emocionalmente como nenhuma outra, e tem lugar cativo na programação das férias.
Mas não é tudo a mesma coisa.

Há os que arriscam a sorte a Norte, indo para Moledo, Afife ou Sanxenxo. Os que confiam o bronze à Barra, à Foz do Arelho ou a São Martinho. Os que agora se passeiam por Tróia, pela Comporta ou pela Costa Vicentina. Há ainda os que seguem o desafio do presidente e investem no interior. E há - claro - os que não apostam noutro sol que não seja o do clássico e mais garantido Algarve.
Ora dêem as voltas que quiserem dar não há viagem como a de “lá de cima até lá baixo”. O Porto-Algarve (ou Norte-Algarve, se quiserem) é e há-de ser sempre “a viagem”.

Mesmo com as auto-estradas porta a porta, com os carros xpto que hoje temos, com os ares condicionados automáticos. O Porto-Algarve continua a ser o Porto-Algarve. Exige muitas horas (mais de 4!), obriga a passar por vários estados de espírito, em bom português, mói como o caneco.
Já não é o tempo do IP1, é verdade. Mas até esse era motivo de alguma expectativa. A cada ano experimentávamos mais um troço da A2 (este ano já se vai até à Marateca, agora a portagem é em Alcácer do Sal, e depois já foi em Grandola, Castro Verde, até estar terminada lá pelos idos de dois mil e pouco).
Mesmo os Fangios deste mundo (que exibem sempre o “este ano fiz porta a porta em 3:50!” - há sempre uns quantos) sabem que não há forma de não moer.

Mas no meio da moedeira há dois ou três momentos (inventamos sempre uns momentos para nos distrair mentalmente) que animam a tirada. Se marchamos a sul (engraçado que dizer “a norte” soa, “a sul” não soa tanto) quando entroncamos na A2 vindos da A13 sentimos o primeiro sopro de proximidade ao destino e às férias. Ainda falta imenso (quem parte de Lisboa está a começar) mas há ali qualquer coisa nas cores e nos cheiros que nos sugere proximidade ao destino. Depois há a portagem final da A2. Ainda podemos ter uns quantos quilómetros de Via do Infante e umas quantas voltas à procura da casa alugada, mas a partir daquela portagem “já chegámos”! Até dizemos aos miúdos “já estamos no Algarve” (e eles deixam-se enganar, mesmo que já levem bem mais de 4 horas de viagem no lombo e, em vão, olhem pela janela à procura do mar).
No sentido inverso - no regresso a casa - os momentos são diferentes, mas também servem para nos animar mentalmente. O primeiro é o da cisão na A2. Quando se ergue ao fundo o anúncio A13 Norte vs Lisboa A2 há uma espécie de primeiro sabor a sentido. É por aqui!, e lá viramos todos contentes pela A13 fugindo à cansativa A2.
O outro momento é o da mudança de cores e de cheiros na A1. Sim, a A1 muda a determinada altura. Ali pelos lados de Pombal (talvez antes, mas bem depois de Fátima) a cor da terra, da pedra dominante e do cheiro a sol (o sol tem cheiros diferentes, sempre achei) começamos a sentir a nossa atmosfera que, à medida que vencemos quilómetros, se vai tornando mais evidente até à glória da Ponte da Arrábida. A glória da Ponte da Arrábida é, aliás, um momento incrível. Tenho para mim que a Ponte da Arrábida devia ter uma fita que cortávamos sempre que por ela entrássemos no Porto (tipo cena final de filme). Não há entrada em lugar nenhum do mundo (do mundo!) que seja mais gloriosa.
E então quando vimos de mais de 4 horas, bem de lá de baixo, depois de não sei quantos dias, olhem que me cai sempre uma lágrima.
E todos os anos, quando moído no momento de glória me cai a lágrima, concluo sempre. O Porto-Algarve (Algarve-Porto, no caso) é mesmo, a cada ano, “a viagem”.

#Saladeestar

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