Uma das razões que me tem vindo a afastar dos jornais – eu que já fui assinante de jornais diários, que era um comprador compulsivo e que, apesar de tudo, me mantenho um leitor interessado (apesar dos meus estados de espírito) –, uma das razões que me vêm afastando, dizia, é a falta de mundo de quem nas redacções verdadeiramente conta. Ou, se quiserem, a falta de diversidade nas redacções. O mundo dos jornalistas que «mandam» é todo igual, as perspectivas são quase sempre as mesmas, os lugares que frequentam, os «amigos», os temas de eleição e os preconceitos divergem muito pouco. Digo-o em generalização e em sentido figurado, claro, mas se estiver a ser injusto não serão muitos os injustiçados.
Uma das versões dessa falta de diversidade é a falta de país nas redacções dos jornais. Não é tanto – também é – a falta de destaque e de notícias sobre o que se passa para lá de Lisboa (sobretudo) e do Porto (um pouco menos) ou, se quiserem, para lá do que preocupa Lisboa ou o Porto. É especialmente a falta de um olhar sobre o que se passa que não seja a perspectiva da capital. A standardização das notícias (muito baseadas nos takes da Lusa) e dos artigos de opinião (muito baseados numa pool de comentadores que se desmultiplica pelos canais de televisão, pelas estações de rádio e pelos jornais, e que se comentam reciprocamente nas redes sociais), é uma incontornável consequência da uniformização de protagonistas, de perspectivas, de preocupações. Insisto, falta país nos nossos jornais (e televisões e rádios).
Poderia dar vários exemplos. Temas como a saúde, como o ensino, como a justiça, são discutidos e desenvolvidos na perspectiva de quem, na sua vida pessoal, alterna entre o Hospital de Santa Maria ou de São João e grandes hospitais privados, de quem tem à sua disposição grandes e conhecidos liceus públicos e vários colégios privados (alguns de língua estrangeira), de quem frequenta os modernos edifícios do Campus da Justiça no Parque das Nações. Esta perspectiva única não representa suficiente ou completamente o país que somos. Os olhos, os sentimentos, as ansiedades, as reais prioridades, de grande parte dos lugares deste nosso pequeno Portugal estão pura e simplesmente arredados do país mediático. E em matérias como a política, a Europa e as migrações, e até a mobilidade, por exemplo, não existe reflexão para lá de Lisboa e do Porto (e mesmo nestes, teremos sempre de falar de uma pequena Lisboa e de um pequeníssimo Porto).
Esta constatação chega a ser bizarra porque não faltam directores, ex-directores, chefes de redacção, editores, colunistas e comentadores, originalmente oriundos desses lugares cujos olhos nos faltam. O problema (não queria dizer problema, preferia continuar a insistir que é uma mera «constatação» …) é que quando penetram nessa pequena Lisboa e nesse pequeníssimo Porto parece que são afectados por uma espécie de metamorfose, que os converte e os faz perderem o olhar de origem. É estranho, mas é assim. Passam a discutir as mesmas causas, a ir aos mesmos lugares (restaurantes, concertos, colóquios, etc), e a viver um mundo que de tão pequeno não nos representa suficientemente mas que, pela sua pena, é o mundo que os jornais retractam e ao qual dão voz.
Manuel Carvalho – um homem de Alijó e do Douro, que vive e conhece bem o Porto para lá daquele «pequeníssimo Porto» dos jornais, e que não cedeu à irresistível metamorfose com a pequena Lisboa que domina os jornais – é uma excelente escolha para a liderança do jornal diário que mais relevância tem (e pode ter) na inversão desta nossa pequenez. Quem lê o Manuel Carvalho (eu leio) sabe que os seus olhos acrescentam, não são mais do mesmo, não estão reféns nem standardizados. Mesmo não sendo a sua primeira vez na direcção do jornal, a sua estreia no cargo de director do Público é uma novidade boa. Porque Manuel Carvalho acrescenta país (para usar a linguagem com que comecei este post). Hoje, que é o primeiro dia da sua direcção, aqui ficam os votos de Boa sorte. A ele e ao «país».
#Escritório
#Saladeestar
Sem comentários:
Enviar um comentário