quinta-feira, 7 de abril de 2016

O que levarias na mochila?

Não é bem suposto vivermos atormentados, mas de cada vez que penso no drama dos refugiados (e penso especialmente nas milhares de crianças órfãs que vagueiam por esses campos de lama, frio e indiferença) fico transtornado e quase bloqueado. Não posso largar tudo – afinal não posso, eu próprio, gerar mais órfãos – mas é criminosa a indiferença ao mais alto nível que este drama colossal suscita.

Há um ano a divulgação das imagens de um enorme naufrágio, com as pessoas a desaparecerem no mar, despertaram a nossa sensibilidade para o drama dos refugiados. Mas foi com a fotografia horrível daquela criança entregue pela espuma da maré que a nossa sensibilidade ficou genuinamente exacerbada. Era demasiado real e chocante para não gerar um impulso de disponibilidade, ainda que difusa.

Confesso que por algum tempo alimentei a esperança de que aquelas vidas não se teriam perdido em vão. Internamente, projectei essa esperança no processo eleitoral em curso e nos programas que cada partido então preparava. Achava que fariam eco do «bruá» colectivo que momentaneamente a causa dos refugiados experimentava. Foi curta e vã a minha esperança. A pobreza dos programas – de todos os programas – estava totalmente alinhada com o calculismo e o jogo político que os Estados exibem, sem pudor e sem humanismo, nos acordos e verbas que com pompa anunciam.
 
Enquanto tiver consciência farei um esforço para não me ser indiferente. E procurarei que à minha volta o sofrimento e a desgraça alheia nunca sejam indiferentes. Sei que só faço o mínimo – diariamente, ao deitar e ao acordar, junto-me aos meus filhos para pedir pelos que mais sofrem (especialmente as crianças como eles).

Mas apetecia-me fazer-me à estrada. E à pergunta «o que levarias na mochila» responderia tão simplesmente com «nada». Levaria os braços abertos para abraçar aquelas crianças abandonadas e apresentava-lhes a cara envergonhada para um enorme pedido de desculpas.

#Jardim

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