sexta-feira, 15 de abril de 2016

BI

Não digam que não é importante. Para mim foi quase uma promoção. Era um dos símbolos da transição da quarta classe para o ciclo (acho que já não se chama ciclo ao 5.º e 6.º ano). No ano em que fazíamos 10 anos tínhamos de ser portadores (orgulhosamente portadores, por mim falo) do malogrado Bilhete de Identidade. Não sei se tinha a ver com a idade se com a inscrição no 5.º ano.
A odisseia começava com a ida ao centro comercial lá da zona – daqueles onde havia sempre uma loja de «foto tipo passe» – para tirar a foto garantidamente apalermada que nos haveria de identificar. Era essa, aliás, a foto que, qual praga, contaminaria tudo o que era documentos pessoais dos anos que se seguiriam. Como ficava mais barato pagar 8 ou 16 exemplares, arrumávamos o assunto das «foto tipo passe» por uns tempos. Quando penso na estupidez que era pedir uma grande quantidade da mesma horrível foto (da qual ficávamos reféns em tudo o que era cartões), penso mais no lado prático da coisa. Se era verdade que a foto era horrível (devem ser muito poucos os fotogénicos de passe) – o que recomendava replicá-la pelo mínimo – não é menos verdade que as fotos dos anos seguintes não corrigiam essa mala pata (a cada nova «foto tipo passe» ficávamos ainda mais horríveis e apalermados).
Resolvido o tema da foto, íamos (já não de mão dada, mas ainda com a nossa mãe), à conservatória do Registo Civil. Era um serviço genuinamente serviço. E portanto, aí experimentávamos uma longa espera (era uma espécie de estágio para as relações com os serviços do Estado ao longo da vida). Umas horas depois, lá saímos altivos, de dedo indicador borrado pela marca digital aplicada no cartão e ainda esticados pelo esforço que fizéramos para que nos marcassem uma altura que não envergonhasse (um metro vírgula qualquer coisa centímetros – ficava registado!). Das informações que constavam do BI (filiação, naturalidade, etc) orgulhava-me de todas (talvez me irritasse aquela coisa do Arquivo de Identificação ser de Lisboa – já nessa altura, com razão, pensava porque diabo uma coisa destas tinha que ir à capital e não se podia fazer logo ali).
O cartão do cidadão desfez todo este cerimonial. Passou a ser uma exigência para qualquer criança cujos pais a queiram fazer constar da sua declaração de rendimentos (por muito ridículo e injusto que seja o impacto no imposto a pagar). Já não exige a tão querida foto tipo passe. Até o dedo indicador passa higienicamente incólume. E – o que para mim é o mais grave – já nem pergunta pelo local de nascimento (de tão digital que é, ignora uma das informações que mais me identifica!).
Também não gosto do cartão do cidadão.
#Saladeestar

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