Há (ou «à», como se escreve por aí) bem mais de 10 anos (em 2004), quase numa outra
encarnação, estava eu a acompanhar o processo legislativo do governo, na relação
entre o Ministério da Justiça e a Presidência do Conselho de Ministros (claro
que, pelo meio, havia sempre que cuidar das exigências e sensibilidades do todo
poderoso Ministério das Finanças).
Um dos processos que acompanhei, volta e meia,
vem-me à memória. E nem é por ter sido especialmente complexo sob o ponto de vista
técnico – tratava-se de criar os diplomas e demais documentos legais que conduziriam
à criação do então novo Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do
Bispo. Nesse processo inaugurava-se um modelo de cooperação do Ministério da
Justiça com a Santa Casa da Misericórdia do Porto, o que implicava atender a algumas
especificidades, designadamente com a celebração de um protocolo.
A mim cabia-me rever os documentos que os
serviços produziam, fazendo-os seguir, com as correcções e explicações que entendesse
necessárias, para a Reunião de Secretários de Estado, primeiro, e para a Reunião
do Conselho de Ministros, a final.
Esta conversa não tem interesse nenhum. Só aqui
a trago porque, num pormenor ridículo, ilustra bem o subconsciente centralista
que atravessa todo o nosso funcionalismo (dos serviços aos governos).
Quando me preparava para dar o ok aos
documentos, deparo-me com uma cláusula (já não sei se era um artigo no projecto
de decreto-lei, se uma cláusula na minuta do Protocolo) que sob a epígrafe «Conflitos»
determinava a vinculação específica à comarca de Lisboa como o foro para
resolução dos conflitos que eventualmente eclodissem. Traduzindo-se: estabelecia-se
que, em havendo algum conflito, o tribunal competente seria o de Lisboa.
Lembro-me de pegar no telefone, ligar ao técnico
que enviara aqueles documentos e perguntar-lhe se não haveria ali uma gralha.
Porquê uma cláusula deste tipo e, sobretudo, porquê Lisboa? À pergunta
acrescentei: o Estabelecimento Prisional era em Santa Cruz do Bispo, o
Protocolo era com a Santa Casa da Misericórdia do Porto e o Ministério da
Justiça e a Direcção Geral dos Serviços Prisionais eram de todo o país (lembro-me
de dizer assim).
A resposta do lado de lá foi eloquente: «nós
fazemos sempre assim».
E nesse «sempre assim» estava todo um programa.
É que é sempre assim.
PS. Escusado será dizer que aquele artigo ou
cláusula foi obviamente eliminado por mim. E não me recordo de voltar a ser confrontado com artigos
ou cláusulas discriminatórias e sem qualquer sentido como aquela. Pelo menos no que me
coube (que era poucochinho) deixou de ser «sempre assim».
#Escritório
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