sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Estabelecimentos comerciais

As nossas primeiras precárias (como gosto de chamar às primeiras investidas na rua, sem tutela e com o consentimento dos pais) estão marcadas por idas a meia dúzia de estabelecimentos comerciais.
Começámos por ir à mercearia ao lado de casa comprar o kilo de arroz, a manteiga ou o sal que inesperadamente faziam perigar o avanço do almoço, para depois sermos incumbidos de encomendas mais elaboradas e mais distantes.
Por vezes, o cumprimento zeloso do recado incluía uma guloseima ou uns cromos, caso em que o entusiasmo no cumprimento da missão não era totalmente altruísta.

Com o tempo, e as encomendas reiteradas que nos solicitavam, fomos desenvolvendo verdadeiras relações com os donos e funcionários dos estabelecimentos. Já éramos tratados pelo nome e tudo (em alguns casos antecedido de «menino», como delicadamente ainda usavam os mais velhos). E no meu caso, como sempre exibi o meu orgulhoso coração azul, já de miúdo incomodava e era incomodado com as saborosas conversas da jornada. Então, como hoje, o futebol e a clubite tinham esse lado bom e saudável de nos aproximar e nivelar - novos e velhos, eruditos e simples, com as mesmas razões (ou falta delas!).

Nem todos os estabelecimentos comerciais (já nem se usa esta expressão) da minha memória mantêm as portas abertas passados todos estes anos. Alguns deles eram demasiado importantes - senão mesmo icónicos - para terem desaparecido (pena não serem Bancos!). E se de alguns já só sinto saudades, de outros sinto falta. Do trato, do espaço e sobretudo do programa que era lá ir.

A Casa Forte, na Baixa, e a Drogaria Rocha, em Matosinhos, serão os casos (os meus, claro) mais paradigmáticos. Afinal não era em vão que por lá se encontrava de tudo, para tudo e em qualquer altura do ano. Há também os estabelecimentos monotemáticos e que nos receberam muitas vezes. A Sapataria Gonçalves (ou a heidi, ainda aberta!), para as sapatilhas ou sapatos melhores (sim, melhores, que me fizeram consumidor de botas de carneira no dia a dia). E só consegui começar a comprar calças depois de ter voz grossa para me recusar a ir à calçeira de família que me mediu as pernas anos sem fim. Comecei por umas Pacifique Sud, e com o andar dos anos e da moda, tive umas Uniforme e finalmente as intemporais Levis (a que me fidelizei até hoje). As calças não tinham um estabelecimento comercial de referência (cheguei a comprar 3 pares de uma vez nas galerias Peixoto que nem sei se ainda existem - as galerias, não as calças!). Já as camisolas ou casaquinhos (como as mães sempre gostam de chamar às peças de roupa mais «arranjadinhas» … sempre os diminutivos) vinham com frequência do Morgado da Foz.
O passar dos anos, levou-nos a outro tipo de estabelecimentos comerciais. À La Copa, para lanchar com os amigos e comer crepes, ao Chalet Suíço, depois de um jogo no mini-golfe, e onde nunca se comeu nada de que me recorde especialmente (associo o Chalet Suíço desses tempos ao Capri Son, não sei porquê). À Padaria Ribeiro da Baixa, depois do médico (os médicos eram todos na Baixa). Ao Café Progresso, para comer um prego ao balcão (sabia-me tão bem!). E até à Barbearia Invicta, verdadeiro símbolo do bom corte masculino que resiste estoicamente ainda hoje.

Há muita gente que de pequenino sonhou ter o seu próprio estabelecimento comercial. Eu nunca tive essa ambição. Mas ontem sonhei com os cheiros, os sabores e a simpatia dos «meus» estabelecimentos comerciais. E se de outra razão precisasse estabeleci que hei-de percorrer mais vezes, qual menino em precária, esses estabelecimentos que resistem e a quem devo tão boas memórias.

#Salaodevisitas
#Saladeestar

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