O velho símbolo da Galp, meio desbotado pelo sol e pela temperatura do tempo, avisava-nos da Bomba de Gasolina do Sr. Chaves e representava a saída da estrada nacional rumo a Tourais.
De portão aberto e pleno de fiéis a visitar os seus, o cemitério marcava o início da "terra". Logo de seguida surgia a escola primária, com o terreiro gasto e as janelas ainda decoradas pelo génio artístico dos gaiatos (agora de férias e soltos para preencherem as ruas de vida e, dizia-se, de futuro). A Igreja, grande e bem cuidada, não envergonhava mas também não deslumbrava. As casas de porta aberta ou com a chave do lado de fora, como sempre se usou na Beira. A do Senhor Alfredo, marceneiro reformado e com uma infinita paciência para a pequenada. A do sacristão - sapateiro nas horas de expediente - forrada com meia dúzia daqueles posters da "contradição".
A da Isaura e a da Lurdes, que sempre as confundi, até porque se não eram irmãs eram cunhadas. A do Senhor Luciano e mulher, cuja enxada à porta assinalava a presença em casa. A do Senhor Professor, a mais moderna e vistosa, que se abria à comunidade em dias de festa. E muito mais abaixo, a do Senhor Elias, o electricista da terra, a do Serralheiro, que nunca lhe soube o nome, e a do Senhor Zé Maria, que fazia questão de não usar a garagem para poder exibir o bólide que, julgava ele, distinguia o seu sucesso.
A vida comunitária distribuía-se pelo incontornável café central (lugar que me intimidava, tal era a densidade da clientela rude e máscula que dominava o balcão e as mesas), pela saudosa Casa do Povo (onde não faltava a assistência médica), pelos tanques comunitários, pelo salão do clube (com um símbolo igual ao do Belenenses), e pela venda (como se chamava às lojas onde havia de tudo, até porque tinha mesmo de tudo, incluindo o marco do correio). Os mais novos, por regra, ora gozavam dos baloiços junto à Casa do Povo, ora disputavam o ringue onde se jogava futebol junto à capela nova e ao recinto das festas de São Matias (não me lembro de alguma vez se jogar naquele campo de futebol de 11 no meio da mata e já fora da povoação).
E a nossa casa? Era a nossa casa. Talvez a maior e a mais antiga. Mas era a nossa casa, que se há-de dizer mais?
Passados 30 anos, não é bem saudade o que sinto. Quer dizer, tenho saudades, mas animam-me mais as preocupações. Ouço histórias de terras sem gente. De campos por cuidar, de matas por limpar, de casas por abrir.
E hoje somos sobressaltados pelos pedidos de ajuda por atender. Pelas horas de abandono porque não há quem acuda nas proximidades. Pelas vidas dos que resistiram e acabam levadas pela catástrofe. Se em Tourais - a minha Tourais - ocorresse uma dessas catástrofes (e Deus sabe as temperaturas que por lá experimentamos) imagino o mesmo desespero. As mesmas estradas por cortar (porque o posto da GNR é também longe e com pouquíssimos efectivos). A mesma fuga desesperada dos que por lá resistem. E a mesma demora dos homens voluntários que, ao som desesperado das sirenes, viriam estafados da sede do concelho.
Já não está lá quem outrora arregaçaria as mangas. Nem o Senhor Alfredo. Nem a Isaura. Nem a Lurdes. Nem as crianças da escola. Nem os homens rudes e intimidantes do café central. Nem as mulheres que enchiam os tanques comunitários. Nem o sacristão. E os filhos não ficaram e já nem visitam a terra. Sobra o Elias, o Professor (sem os três filhos e já sem os sogros que Deus levou), o Senhor Chaves (que transformou a sua bomba de gasolina numa verdadeira estação de serviço na estrada nacional), mais meia dúzia de resistentes e a nossa casa. A casa grande e mais antiga que com amor vamos vivendo e melhorando. Pouco mais sobra. E enquanto sobra, pergunto como havemos de cuidar deste património que é nosso se estamos entregues a esta sorte?
Tourais podia ser Pedrógão. Porque Tourais está como Pedrógão. Sem os seus. Sem os filhos dos seus. Sem crianças. E sem Estado.
Saladeestar
sexta-feira, 30 de junho de 2017
sexta-feira, 23 de junho de 2017
S. João – a ti me escravizei
Não estou no mood ideal. Esta coisa de 64 dos
nossos terem partido, em circunstâncias tão horríveis, e tudo o mais que por lá
se passou e passa, não me sai da cabeça. Mas ainda assim, cá vou eu para o meu São
João.
Eu gosto tanto do São João!
Dos arraias mais ou menos espontâneos. Da
cidade dominada pelo seu povo inteiro. Dos novos, dos velhos, de todos mesmo,
entregues a uma festa livre. Das cervejas ou dos sumos. Das febras e das
sardinhas. Da música e das luzes. Dos bailaricos e das caminhadas. Dos martelos
e dos alhos porros. E, sim, das fogueiras e dos balões (algo ficará por cumprir quando olhar ao céu e o vir despido da nossa tradição).
São João, aqui me tens. «A ti me escravizei»,
como dizia Torga sobre a poesia.
Bom São João a todos!
PS. Eu sei o que é ser desterrado neste dia.
Sei o que custa não estar cá para quem é de cá. Sei o que é passar pela tortura
de imaginar como estará a ser, como se estarão a entregar os «nossos». Sei o
que é substituir esse aperto e saudade pelo exercício de recordação de tantos
São Joões vividos. Tenho uma mensagem para esses nossos: venham mesmo. Deixem-se
de secundarizar a vossa presença quando vão a tempo de a garantir. Estamos a um
ano do São João de 2018. Organizem-se e venham!
#Saladeestar
#Salaodevisitas
Só me apetece gritar
Morreram 64 pessoas. 64 pessoas. Já nem falo das
centenas de feridos, dos desalojados e da área ardida (que já chegariam para
nos indignar). Morreram 64 pessoas num incêndio em Portugal, há meia dúzia de
dias. Ainda estou incrédulo e indignado. E como se não bastasse o próprio
Ministério da Administração Interna não sabe – não sabe! – quantos serão os
desaparecidos. Estamos a falar de pessoas.
Com uma catástrofe de tamanha dimensão não podíamos
exigir menos que comportamentos irrepreensíveis das nossas autoridades. De
todas.
Das autoridades de comando – político, de
segurança, de socorro, militar – a quem se exige um comando forte, firme,
seguro. E até inspirador, porque o momento não é para menos. Mas não tivemos
nada disto. Só me apetece gritar. Não temos nem tivemos voz de comando. Já tivemos
contradições que cheguem. Já tivemos até contradições infantis, próprias de quem
está mais preocupado em se autojustificar e olha à verdade como um pormenor que
pode ou não ser útil (a história pronta da árvore cortada a meio por um raio é
quase um ícone desta tragédia). O Estado, no seu desnorte, nem sequer compareceu
ao funeral das primeiras vítimas que foram a enterrar.
Não sei que diga. Sinto-me um cidadão
desesperado. Só me apetece gritar.
Ainda teremos de ir mais a fundo (para percebermos
a política de cortes ou não cortes na prevenção, de cortes ou não cortes no dispositivo
de combate aos incêndios, de cortes ou não cortes na manutenção de sistemas de
segurança). Mas não nos libertam da sensação de que o IPMA falhou, o SIRESP
falhou, a GNR falhou, de que não temos nem tivemos MAI. É tudo tão grave que a
exigência de responsabilidades (a todos os níveis) soa-me a pouco.
Mas neste momento – que ainda
é o da prevenção imediata da propagação, e de reacção e combate ao fogo – fico-me
pelo grito que não consigo conter. Morreram 64 pessoas! Acudam-nos!#Escritório
terça-feira, 20 de junho de 2017
Que país é este?
Em pleno século XXI, temos um fogo que matou
mais de 60 pessoas, feriu mais de 150, implicou já a evacuação de 27 (27!)
aldeias. As comunicações convencionais estiveram 2 dias sem funcionar. O SIRESP
ou lá o que é, também não funcionou.
Agora é um avião (e suponho que mais uma vida)
que caiu.
O fogo lavra há 3 ou 4 dias descontrolado!
Não pode haver falinhas mansas! A ministra (que
nunca existiu e nunca devia ser ministra de nada) já devia ter sido demitida. E
o centro de controlo tresanda a descontrolo. Que gente é esta? Não quero saber
dos briefings e dos coletes laranjas pomposos a dizer «protecção civil»!
Já é terça-feira! Que espectáculo sinistro é
este que não somos capazes de resolver?!
Que país é este?
Sim! É a revolta e a emoção a falar! Mas é uma
emoção que transborda de razão!
#Escritório
segunda-feira, 19 de junho de 2017
Ilações de uma catástrofe (IV)
É nestes momentos que sinto o poder do comando
da televisão. Vão rareando os repórteres que sabem conjugar a sobriedade, o
vocabulário simples, a capacidade de informar. E há canais que não nos sabem
respeitar (e nós próprios não nos damos ao respeito, dirão as audiências).
Abomino a exploração do desespero de quem está
em sofrimento. Abomino a exploração da simplicidade e menor sofisticação das
pessoas. Abomino a exploração da desgraça pervertida em espectáculo.
Ao menos tenho o comando.
#Saladeestar
Ilações de uma catástrofe (III)
Os fenómenos naturais têm o condão de nos
convocar para a nossa frágil condição. Mas essa constatação – que, no meio da
tragédia e do drama, tem o seu lado saudável – não deve servir (não pode!) para
incensar responsabilidades. Ninguém pretenderá imputar os ventos descontrolados,
as temperaturas de 40 graus e a trovoada seca (há sempre uma expressão técnica que,
a cada catástrofe, entra para o léxico popular). Mas no terreno dos
comportamentos, da educação, do planeamento, há seguramente muito por apurar.
E, portanto, responsabilidades por atribuir.
Não há fenómeno natural que pacifique uma sã
consciência cívica quando, em meia dúzia de horas, morrem mais de 60 pessoas. Não
há chuva, não há vento, não há terramoto, que afaste enormes dúvidas sobre a nossa
competência colectiva.
Exemplos de catástrofes «naturais» não faltarão
por esse mundo fora. Exemplos de uma mortandade a esta escala, num tão curto
espaço temporal, em condições «óptimas» como as que se anteviam, não se
encontram.
Podemos falar da protecção civil, nos
bombeiros, nas forças de segurança. Questionamo-nos como foi possível não se terem
fechado à circulação aquelas estradas imediatamente. Suscitamos o debate sobre
o modelo de exploração florestar e as espécies de árvores em que apostamos. Podemos
discutir a opção de investimento desproporcionada em favor dos meios de combate
e não das medidas de prevenção. Mas há ainda um outro debate que podemos e
devemos fazer e que se coloca no terreno da educação. Lembro-me muitas vezes
daquela criança americana que salvou a sua família no tsunami na ásia porque,
ao olhar ao comportamento estranho da maré, se lembrou das aulas de ciências e
avisou os pais de que estava a chegar um tsunami. Algum de nós aprendeu na
escola a comportar-se num ambiente de catástrofe natural? Algum de nós sabe o
que fazer se estiver no meio de um fogo? Alguém aprendeu regras básicas de
controlo pessoal?
Não. Não!
Desculpem-me mas esta tragédia humana
inimaginável não pode estacionar na nossa indignação estéril. E muito menos
pode justificar-se nessa expressão sonsa de «causa natural». Muita coisa tem de
mudar. Desde a escolha dos nossos protagonistas políticos, à política de
prevenção e exploração florestal, passando naturalmente pela estratégia de
protecção civil e de combate aos incêndios. E começando pelas escolas, onde valeria
a pena investir no ensino básico. De regras de sobrevivência, por exemplo!
#Escritório
Ilações de uma catástrofe (II)
Se é verdade que nos identificamos naquele
abraço, de olhos embargados, de Marcelo à chegada ao local do comando de operações,
não é menos verdade que foi penoso o exercício precipitado e infantil em que se
lançou de afastamento de culpas de tudo e de todos. Não era ainda o momento. Nem
para assacar culpas, nem para as ilibar. Foi triste e infantil. Num momento
grave e sério como este, é inaceitável.
#Escritório
Ilações de uma catástrofe (I)
Não temos ministro da administração interna. Já
sabíamos que não tínhamos (no Verão já tinha sido tão evidente). Na prontidão, na
liderança, na postura, no tom de voz, no vocabulário, enfim, em praticamente
tudo. Descobrimos, ainda assim, um Secretário de Estado (Jorge Gomes), no
terreno e à primeira hora (como deve ser), a liderar as operações, a reportar
quando era adequado, a receber o Presidente da República, e a tomar as dores
que todos sentíamos naquelas horas de choque e incredulidade. Já nos vimos
habituando à falta de liderança política (de governo para governo vão variando
as pastas, mas é demasiado comum termos ministros que não existem porque não
podem nem sabem). Vamo-nos habituando, é verdade, mas é demasiado grave esta
vacatura recorrente. Se há momento em que se impunha uma voz liderante, com
estatuto e competência, este era um desses. E nesse capítulo foi um rotundo
fracasso (que se repete a cada briefing).
#Escritório
sexta-feira, 16 de junho de 2017
Helmut Kohl
Não saberei explicar porquê. Mas quando penso
num grande líder europeu – daqueles inspiradores, a cujos textos gosto de
recorrer (porque um bom discurso, ou ate um bom programa político, são
documentos sempre actuais na sua essência) – não recorro a Helmut Kohl.
Pode ser injusto para Kohl, mas não estaria a
ser honesto se dissesse o contrário.
No fundo, a verdade é que (reconheço-o) nunca
me senti especialmente ligado, sob o ponto de vista político e emocional, a
Helmut Kohl. Mesmo sendo um líder importante, num Estado determinante, e por um
período longo e relevante.
Mas esta circunstância não me tolda o sentido
de gratidão. E menos me tolda o reconhecimento objectivo da história.
Helmut Kohl foi o Chanceler de uma Alemanha
dividida. Foi depois o Chanceler que soube conduzir essa Alemanha dividida à
reunificação (aos olhos de hoje, um passo tão óbvio e tão simples, mas que não
era nada óbvio nem simples). Foi, também, o Chanceler da adesão de Portugal à
então CEE. E foi Chanceler durante 16 anos.
Merece todo o
reconhecimento. E gratidão.#Escritório
#Jardim
«Fazemos sempre assim ...»
Há (ou «à», como se escreve por aí) bem mais de 10 anos (em 2004), quase numa outra
encarnação, estava eu a acompanhar o processo legislativo do governo, na relação
entre o Ministério da Justiça e a Presidência do Conselho de Ministros (claro
que, pelo meio, havia sempre que cuidar das exigências e sensibilidades do todo
poderoso Ministério das Finanças).
Um dos processos que acompanhei, volta e meia,
vem-me à memória. E nem é por ter sido especialmente complexo sob o ponto de vista
técnico – tratava-se de criar os diplomas e demais documentos legais que conduziriam
à criação do então novo Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do
Bispo. Nesse processo inaugurava-se um modelo de cooperação do Ministério da
Justiça com a Santa Casa da Misericórdia do Porto, o que implicava atender a algumas
especificidades, designadamente com a celebração de um protocolo.
A mim cabia-me rever os documentos que os
serviços produziam, fazendo-os seguir, com as correcções e explicações que entendesse
necessárias, para a Reunião de Secretários de Estado, primeiro, e para a Reunião
do Conselho de Ministros, a final.
Esta conversa não tem interesse nenhum. Só aqui
a trago porque, num pormenor ridículo, ilustra bem o subconsciente centralista
que atravessa todo o nosso funcionalismo (dos serviços aos governos).
Quando me preparava para dar o ok aos
documentos, deparo-me com uma cláusula (já não sei se era um artigo no projecto
de decreto-lei, se uma cláusula na minuta do Protocolo) que sob a epígrafe «Conflitos»
determinava a vinculação específica à comarca de Lisboa como o foro para
resolução dos conflitos que eventualmente eclodissem. Traduzindo-se: estabelecia-se
que, em havendo algum conflito, o tribunal competente seria o de Lisboa.
Lembro-me de pegar no telefone, ligar ao técnico
que enviara aqueles documentos e perguntar-lhe se não haveria ali uma gralha.
Porquê uma cláusula deste tipo e, sobretudo, porquê Lisboa? À pergunta
acrescentei: o Estabelecimento Prisional era em Santa Cruz do Bispo, o
Protocolo era com a Santa Casa da Misericórdia do Porto e o Ministério da
Justiça e a Direcção Geral dos Serviços Prisionais eram de todo o país (lembro-me
de dizer assim).
A resposta do lado de lá foi eloquente: «nós
fazemos sempre assim».
E nesse «sempre assim» estava todo um programa.
É que é sempre assim.
PS. Escusado será dizer que aquele artigo ou
cláusula foi obviamente eliminado por mim. E não me recordo de voltar a ser confrontado com artigos
ou cláusulas discriminatórias e sem qualquer sentido como aquela. Pelo menos no que me
coube (que era poucochinho) deixou de ser «sempre assim».
#Escritório
Pontes
Mais calmo. Muito menos interrupções. Paira no
ar uma espécie de cumplicidade (talvez diferente e não apenas acrescida) entre
os que estão.
A produtividade é outra. E até nos sentimos mais
valorizados.
Claro que gosto dos feriados e dos
fins-de-semana. E obviamente que gosto de aproveitar os dias de bom tempo.
Mas há qualquer coisa nas pontes.
Cada vez mais, gosto de
trabalhar em dias de ponte.#Saladeestar
terça-feira, 13 de junho de 2017
Escola de Lisboa
«Costa diz que escola europeia beneficia Lisboa face ao Porto na corrida à agência europeia do medicamento»
Não, não. Não vale inventar (criação da escola europeia?). Nós sabemos muito bem - há muitos anos - em que escola se fazem essas candidaturas. É sempre a mesma ...
E, já agora, com os 900 funcionários que a desejada Agência Europeia traz consigo, cá estaremos para criar a Escola Europeia. É que são eles que a justificam. Mais uma vez, não vale inventar.
#Escritório
Não, não. Não vale inventar (criação da escola europeia?). Nós sabemos muito bem - há muitos anos - em que escola se fazem essas candidaturas. É sempre a mesma ...
E, já agora, com os 900 funcionários que a desejada Agência Europeia traz consigo, cá estaremos para criar a Escola Europeia. É que são eles que a justificam. Mais uma vez, não vale inventar.
#Escritório
Macron - algumas considerações
Para a enorme falange de agoirentos sobre o
fenómeno Macron – eu próprio terei os meus agoiros (que serão mais dúvidas) – as coisas não têm corrido bem. Ou, pelo menos, não se têm
confirmado. E valerá a pena tentar perceber porquê (independentemente da maior
ou menor identificação com o sentido do discurso e do projecto).
A primeira nota a assinalar é, obviamente, a do
enorme e reiterado sucesso eleitoral. Depois das duas voltas nas presidenciais,
as eleições deste fim-de-semana foram já o 3.º acto eleitoral do qual Macron
saiu inquestionavelmente como grande vencedor.
A segunda nota (e agora já não seguirei uma
sequência hierarquizada) é a da juventude. Já o disse na primeira ocasião, mas
reitero. Os 39 anos de Macron, se estivéssemos nos anos 70, seriam uma
banalidade. Em 2017, é um facto permanentemente assinalado, o que diz muito de
quão adiadas poderão estar tantas vocações políticas, reféns de um preconceito absurdo
e – pior – de lugares captados pelos mesmos de sempre.
Em terceiro lugar – e porque ligado à nota de
«juventude» do ponto anterior – está o efeito renovação (numa tripla dimensão):
por um lado, e como se prevê, é inspirador que um parlamento receba, de uma
vez, mais de 50% deputados debutantes (independentemente da idade desses
«novos» protagonistas); por outro, é louvável que centenas de cidadãos se
tenham predisposto a, pela primeira vez, se candidatarem e, uma vez eleitos,
servirem a causa pública através de um cargo político; e por outro lado ainda –
mesmo para quem, como eu, não conhece minimamente o universo de deputados da Assembleia
Nacional Francesa – aquele refrescamento do parlamento não se esgota na entrada
de novos deputados. Vai simetricamente colher também à saída de uns quantos que
tenderiam a eternizar-se naquelas cadeiras.
Uma quarta nota – talvez a mais relevante – diz
respeito ao discurso e modus operandi deste Movimento En Marche de Macron. A
sua afirmação, por muito complexa e difusa que seja a inspiração doutrinária
que a orienta, não tem sido alcançada na base de um programa e de um discurso
populista, centrado em promessas de facilidade, engajadas nos interesses corporativos
clássicos (que os haverá no movimento, não tenhamos ilusões). Esta
circunstância, que no fundo se traduz na sensação de que há ali um ímpeto genuíno
que resiste ao facilitismo, é porventura a maior lição desta ainda curta história.
Macron toca a musica que acha que as pessoas precisam de ouvir, e não a música do tipo panfletário que as pessoas querem ouvir (como baixar a idade da reforma,
subir as pensões, aumentar ou mesmo manter o número de funcionários públicos, reforçar
a soberania face a Bruxelas, etc). Parece uma frase feita, mas é disto que
estamos a precisar. E depois as pessoas julgam como entenderem. A lição está no
julgamento popular que, num quadro como este, até agora lhe tem sido destinado.
Vale a pena ser genuíno (rings the bell, senhora May?).
#Escritório
segunda-feira, 12 de junho de 2017
Das escutas aos e-mails
Há sempre dois grupos. Os que se dedicam a
indignar-se com a forma. E os que se dedicam a indignar-se com o conteúdo.
Há uns anos tivemos as escutas. E lá tivemos o
grupo que se dedicou a discutir a ilegalidade da forma («é ilegal!», zurziam, «não
valem como prova», esbracejavam). E depois tivemos o grupo da substância, que insistia
na indignação quanto ao que se testemunhava naquelas conversas gravadas («se
fosse o meu clube, eu tinha vergonha!», «ganhar assim, não quero!», ouvíamos à
boca cheia).
Hoje temos os e-mails (até ver, porque há ameaças
de mais revelações). Pois lá temos o grupo que só fala de quão grave é a
violação do correio privado («é gravíssimo num Estado de direito!», «é preciso
apurar como é possível a violação de correspondência privada!», dizem pelos
canais costumeiros). E, naturalmente, forma-se o outro grupo, o da substância,
que se indigna com o que as conversas revelam («está lá tudo!», «é uma rede
instalada de corrupção»!).
O curioso é que entre ontem e hoje são (quase
todos) os mesmos. Se olharmos aos da forma e aos da substância, estão lá os
mesmos. A diferença – pequena diferença – é que trocaram de lado.
Eu declaro-me já, para que não sobejem dúvidas.
Das escutas aos e-mails, acho indigna a violação «formal» num Estado de direito,
e envergonha-me a substância (que no que revela, é rigorosamente a mesma!).
Para muito boa gente, não é fácil reconhecer
isto.
#Saladejogos
quarta-feira, 7 de junho de 2017
Por qué te callas?
Este artigo do Luís Aguiar-Conraria («E por Lisboa não vai nada, nada, nada?», in Observador) ainda me consegue revoltar. O que é bom sinal. É sinal de que ainda não surtiu em mim o efeito anestésico da habituação. O centralismo doentio (tão bem representado no
artigo) deste nosso pequenito Portugal devia revoltar. A mim revolta. Mas devia
também envergonhar. Envergonhar mesmo.
Eu não sei quantos cidadãos o norte do país
(isolo o norte, mas poderia nomear todo o país para lá da região de Lisboa e Vale
do Tejo) já forneceu aos Governos de Portugal. Não sei quantos deputados já
passaram pela Assembleia da República eleitos pelos círculos do Porto, Braga,
Aveiro, Viana, Vila Real, etc. Não sei também quantos quadros superiores do
Estado e de Empresas Públicas vieram do «Portugal paisagem». O que sei é que não
há quase memória de uma declaração política, com um mínimo de solenidade e
consequência, de algum desses «nossos representantes» sobre este escândalo
nacional. Não há um deputado – seja de que bancada for – que associemos
minimamente a esta causa da urgente inversão do centralismo. Alguém toma as
dores da concentração do Estado todo na capital? O INE, os Supremos Tribunais, o
Tribunal de Contas e o Constitucional, a CMVM, as Autoridades de Concorrência,
as Entidades Reguladoras, e tudo e mais alguma coisa! Alguém já exigiu (já é
caso para exigências) algum destes serviços do Estado central em Coimbra, no
Porto, em Viseu ou Aveiro?
E querem que falemos de investimentos públicos?
Querem que faça a lista dos 20 maiores investimentos dos últimos 10 anos?
Querem saber quantos deles foram realizados no Portugal paisagem?
É caso para perguntar a cada um desses membros do governo e deputados (e são tantos!): por qué te callas?
#Escritório
terça-feira, 6 de junho de 2017
Sérgio Conceição
1. Foi
o escolhido, passou a ser a minha escolha. A primeira.
2. Não
padecerá de falta de identificação com o clube e com os adeptos, nem nos exasperará
com frases feitas, repetitivas, sensaboronas.
3. O
perfil recomenda parcimónia no «campeonato» da comunicação. Eu começaria por
acabar com metade das conferências de imprensa. E reduzia a um terço (em tempo e
em dias) as presenças dos jornalistas nos treinos.
4. Se
for incontornável a exigência dos sponsors, encontrem outros protagonistas para
justificar as garrafinhas de publicidade à frente dos microfones.
5. Só
espero que os jogadores se entreguem e se identifiquem. Se houver sintonia,
disciplina e organização, pode acontecer.
6. O
Porto, mesmo destroçado e depois de 4 anos a seco, é muito mais forte do que
imaginam.
PS. Ia dizer que, em 1998, quando o Sérgio
Conceição saiu do Porto para a Lázio, tinha escrito um post no Facebook a dizer
que regressaria daí a duas décadas para ser o nosso treinador. Depois
lembrei-me que ainda não havia Facebook. E às tantas é ridículo esse jogo do «eu
sempre disse» ou «eu sabia» ou, na versão presunçosa, «se me dessem ouvidos».
#Saladejogos
segunda-feira, 5 de junho de 2017
O nosso modo de vida
Mais um atentado. Mais abraços fraternos. Mais
não sei quê. No fundo, há já uma espécie de reacção standard (é mesmo isto,
«standard»).
A cada evento triste – e mais que triste,
revoltante – em lugares que sentimos como nossos, vamos coleccionando lugares
comuns, mais ou menos consensuais. Costumamos partir da premissa da superioridade
da nossa civilização, reiteramos, depois, o orgulho no nosso pluralismo e
tolerância, e terminamos com a afirmação (meio viril, meio vã) de que não
podemos ceder a estas ameaças e agressões. Se tivéssemos uma bandeira para
desfraldar ela teria inscrita a frase feita «nosso modo de vida» e lá
estaríamos todos a desfraldar essa bandeira sem saber bem «porquê», «o quê» e «para
quê».
O que é que nós defendemos exactamente? Que «nosso
modo de vida» é esse em contraposição ao «deles»?
Cada vez mais, com todas as dificuldades que a
necessidade de simplificação nos coloca, acho que nos está a faltar o debate
exigente sobre que sociedade, que valores, que futuro, defendemos. No fundo, a
quê que deverá corresponder essa bandeira difusa do «nosso modo de vida».
Enquanto a resposta for a do relativismo, a do
pluralismo acrítico, a do nivelamento dos valores e da ausência de valores,
somos nós próprios que nos expomos. Porque ninguém se sente mobilizado por uma
amálgama incoerente de valores.
Claro que esse debate implicará a hierarquização,
a crítica e o afastamento de ideias e prioridades absurdas. Eu atrevo-me a dizer
o óbvio – que a pessoa, na sua dignidade intrínseca, ou regressa ao centro do «nosso
modo de vida» ou nesta batalha de civilizações nem vale a pena desfraldar essa
nossa bandeira (quanto mais ir à luta …).
Eu suspeito (não é bem suspeito, é mais acho,
mas prefiro dizer suspeito) que a descristianização da Europa não devia ser
olhada com indiferença.
#Saladeestar
#Escritório
#Jardim
A segurança no Porto
O JN deu à estampa dados moderadamente
animadores a propósito dos índices de segurança no Porto.
Não sou nenhum especialista em políticas de
segurança e criminalidade. Mas sou quase doutorado em ideias óbvias.
Intimamente relacionado com este tema da segurança está o modo como olhamos para os nossos bairros sociais, pelos quais sempre nutri um carinho especial. De tão transversais na cidade, fazem parte da nossa vida comunitária. Desde a infância à idade adulta, ninguém terá escapado. Seja à tensão, seja à descoberta, seja à participação na acção social. Seja simplesmente nas discussões sobre soluções e reabilitações.
Sempre achei – e sempre fui dizendo – que era essencial abrir os bairros sociais à cidade. Sempre gostei, aliás, de usar o neologismo «desguetização dos bairros sociais» (é mesmo só para passar a ideia de que sou um especialista respeitável, mesmo que não seja verdade).
Sempre achei – e sempre fui dizendo – que era essencial abrir os bairros sociais à cidade. Sempre gostei, aliás, de usar o neologismo «desguetização dos bairros sociais» (é mesmo só para passar a ideia de que sou um especialista respeitável, mesmo que não seja verdade).
Ora, esta desguetização ou abertura dos bairros
deve enquadrar-se, do meu ponto de vista, numa revolução mais completa que se
traduz – ou vai-se traduzindo – na reabilitação do ambiente urbano nos bairros
tendencialmente problemáticos (há muitos bairros sociais que não são
problemáticos, pelo que não confundo uma coisa com a outra, para que fique
claro!). Refiro-me à limpeza urbana e asseio dos arruamentos, à disposição dos contentores
de recolha de lixo, à periodicidade da recolha e limpeza pelos serviços municipais,
à renovação do mobiliário urbano, ao ajardinamento e respectiva manutenção, e
acima de tudo, à preservação do património edificado, a começar pelos blocos e espaços
comuns, mas passando pelos diversos fogos. E aqui incluo os serviços públicos
que, pela proximidade, servem as populações destes bairros. As escolas
primárias, os centros de saúde, as esquadras da polícia, os gimnodesportivos e
parques urbanos, só para dar alguns exemplos. Na justa medida em que forem
equipamentos qualificados e modernos, com serviços de qualidade, há como que um
efeito contágio às próprias pessoas. Gera-se um ambiente de cuidado geral, de
limpeza, de urbanidade que muito contribui para a qualidade de vida das
populações. Chega a ter a virtualidade de propiciar a transformação dos
comportamentos colectivos e individuais e gera, naturalmente, mais segurança.
Há depois um trabalho mais difícil neste
processo de desguetização que é o de procurar abrir, no sentido físico, as vias
públicas interiores de cada bairro à malha urbana circundante. Por erro de
palmatória que já não vale a pena imputar, a maioria dos bairros são fechados
e, portanto, não têm vias de atravessamento (o termo gueto é-me inspirado por
esta constatação). E não é preciso explicar como esse condicionamento físico
prejudica aquele propósito de mais segurança e abertura. É essencial apostar na
inversão deste condicionamento. Isso mesmo já foi ensaiado, por exemplo, com a nova
via que rasga o Bairro Pinheiro Torres e o Bairro da Pasteleira Nova até ao
Bairro da Pasteleira.
Há ainda muito a fazer neste capítulo. O ímpeto de reabilitação dos Bairros e das Escolas Municipais tem sido notável (e há que distribuir o mérito, neste particular, entre este e o anterior executivo). Mas ainda
estará para chegar o dia em que os canteiros dos bairros sociais merecerão o
mesmo esmero que os relvados da Marechal Gomes da Costa. Ainda estará para
chegar o dia em que os Jardins do Parque Oriental se confundirão com os jardins
dos Bairros Falcão, Contumil ou Lagarteiro. Em que entre o novo Gabinete Municipal
dos Aliados e a sede da Associação Cultural
e Desportiva do Bairro Falcão,
não haverá diferença na qualidade do mobiliário, das janelas e dos acessos (estou a exagerar de propósito).
A bem do Porto.
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#Escritório
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