quarta-feira, 17 de maio de 2017

No meu tempo

Ainda bem que somos poupados - os nossos filhos nem imaginam - ao confronto embaraçoso com o exercício de imitação dos nossos pais naquelas precisas manias que mais mexiam com o nosso sistema nervoso. Especialmente a mania da recuperação permanente (e até emocionalmente sufocante) do passado duro e exigente que haviam vivido.
«No meu tempo tomávamos banho de água fria!».
«No meu tempo recebíamos um par de meias no Natal e não protestávamos!»
«No meu tempo éramos repreendidos na escola com a menina dos 5 olhos» (esta é só para quem sabe).

Quase sem darmos por ela, agora somos nós a abusar da muleta «no meu tempo» para forçar os nossos filhos a sentirem-se agradecidos com o que têm e a deixarem-se de protestos birrentos.

Então quando se trata de dar de comer às criancinhas é irritantemente inevitável: «no meu tempo não comíamos iogurtes todos os dias nem os tínhamos disponíveis ao sabor de cada ida ao frigorífico!» (no nosso tempo, em boa verdade, os que tínhamos eram quase sempre daqueles artesanais – já agora, ainda haverá dessas máquinas de fazer iogurtes?). «No meu tempo não tínhamos Cerelac em casa porque era muito caro!» (das coisas boas quando ficava doente era o mimo de uma Cerelac só para mim!). Ou então uma mais geral a empurrar a pressão emocional para os avós: «no meu tempo, ai de mim se não comesse a sopa! Ficava logo de castigo!».

Lá em casa, por exemplo, os miúdos ficam muito impressionados quando lhes lembro que «no meu tempo» só tínhamos dois canais, não podíamos escolher nem quando nem quais os bonecos (continuo a chamar bonecos aos desenhos animados) que íamos ver.
E por falar em televisão está a ser urgente um pequeno reforço deste discurso. É que é bom que os meus filhos saibam que ainda guardo o trauma da humilhação da Dora com o «Não sejas mau para mim».

Ganhar Europeus e Festivais da Eurovisão? No meu tempo não era nada assim!

#Saladeestar

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