segunda-feira, 16 de julho de 2018

As ruas de Paris

Ontem, a propósito da final do Mundial e das ruas de Paris, lembrei-me de mim na nossa final e nas ruas de Paris. Pelas melhores e pelas piores razões. As primeiras – óbvias – hão-de ser sempre as mais memoráveis. A jornada (no sentido de viagem e epopeia) e a vitória em que esta culminou há já dois anos! As piores não são nada boas. Porque são preocupantes e renovam-se sem freio. Já explico.
Naquele Verão de 2016 (era o tempo em que Junho e Julho eram mesmo Verão) fui iluminado pela sorte nas grandes decisões. Decidi guardar-me para a final e para o caneco, e acertei. Decidi viver as ruas de Paris antes do jogo, e acertei. Fui sem crainças, e acertei.
Depois das redes balançarem sob pressão do improvável tiro do improvável Éder. Depois de ter perdido a voz e o sentido de orientação (voei, eu acho que voei naquela bancada). Depois de ter abraçado mil (devem ter sido mais até) loucos aos gritos como eu. Depois da festa do caneco (era nosso!). Depois de tudo a que tinha direito decidi, não sei bem porquê, ficar no palco da nossa glória até à última lâmpada se apagar. Eu e os 15 ou 20 com quem estava. Ficámos ali, de bancada em bancada, a esgotar a memória e a bateria dos telemóveis.
Mesmo depois das portas fechadas, deixámo-nos ficar à volta do estádio, nas routlottes, ainda meio incrédulos e excitados com o que acabáramos de viver. Foi tudo demasiado bom.
Lá para a uma ou duas da manhã (já não sei se uma se duas), decidimos finalmente avançar para o centro de Paris. Vamos beber uns copos e festejar para os campos Elísios!, pensámos, enquanto nos enfiávamos no metro a cantar («pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal, …», lembram-se?).
Já tenho muitos quilómetros. Já fui muito longe para ver o meu clube e a minha selecção. Mas nunca me senti como daquela vez no metro de Paris. E depois do metro (de onde saímos antes do destino) nas ruas da cidade.
Por onde andássemos o ambiente não era bom. No metro fomos cercados (literalmente) por dezenas e dezenas de miúdos (alguns já com 20 ou mais anos). Por instinto, no meio de apertões, gritos de ameaça, mãos a entrar-nos nos bolsos, saímos na primeira oportunidade.
Já cá fora percebemos que a cidade estava dominada. Não saberei exactamente de que comunidades seriam aqueles grupos, mas eram maioritariamente magrebinos e africanos (não vale a pena estar aqui com eufemismos). Falavam num francês muito difícil de perceber. E estavam por todo o lado. Deliberadamente à procura de conflito, de vítimas, de estragos. Foi horrível.
Naquela ocasião de tensão, percebi várias coisas. Desde logo percebi que foi prudente ter resistido à tentação de levar comigo o meu filho de 10 anos (éramos 15 ou 20 homens com menos de 40 anos e estávamos a passar mal, a sentirmo-nos ameaçados, e a temer pelo desfecho da nossa legítima festa). Percebi que foi muito bom termos vivido as ruas de Paris antes do jogo. Percebi que foi inteligente (foi sorte, porque não foi pensado) termos ficado a festejar dentro e à volta do estádio, onde não faltava segurança musculada para nossa tranquilidade. E percebi que Paris não está nada bem.
Naqueles grupos muito diversos e numerosos que dominavam Paris (dominavam mesmo) havia uma agressividade, uma postura de imposição e de ameaça que revelavam total segregação, falta de integração e diria que vontade de domínio. Estarão a pensar que há aqui muita generalização. Talvez, mas olhem que fiquei a pensar no futuro daqueles espaços, daquelas populações e daquelas boas memórias que Paris e a França nos suscitam. E o que foi mais assustador foi a sensação de capitulação e entrega. As forças de segurança tinham cedido. No metro, por exemplo, os 4 polícias que encontrámos refugiaram-se connosco numa única carruagem (deixando as demais entregues…). E nas ruas não se encontrava vivalma fardada.
Passados dois anos não me surpreendem absolutamente nada as imagens das «comemorações» descontroladas em Paris.
Até quando vamos ignorar as Ruas de Paris?
#Saladeestar

Sem comentários:

Enviar um comentário