quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O meu testamento vital

Nesta coisa do direito que não obriga ninguém (que dá sempre para uns cartazes bonitos e umas frases feitas «o direito ao aborto não obriga a abortar, o direito à eutanásia não obriga a morrer», etc), confesso que fico pessoalmente aterrorizado.
Porque me procuro colocar na posição de quem está a pedir. Imagino-me a pedir a eutanásia (imagino-me o doente na tal situação de «sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável ou fatal»).
Fico duplamente aterrorizado. Sou humano como os demais e não desejo o sofrimento (e respiro a ansiedade e a incerteza própria ao imaginar-me, por antecipação, nessas duras circunstâncias). E porque imagino que vontade será a minha! Que vontade, que discernimento, que declaração será essa do «quero morrer», estando eu na tal situação de «sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável ou fatal». Já nem me refiro à incerteza da situação (sabemos lá como se preencherão esses conceitos indeterminados). Refiro-me apenas à validade da minha declaração de vontade.
Já vivi o suficiente, já testemunhei o quanto baste, e conheço-me demasiado bem – nas minhas incoerências, nos meus avanços e recuos, nas minhas afirmações e arrependimentos – para ficar aterrorizado com a hipótese de, num caso de vida ou de morte, me levarem à letra. Admitam a hipótese da minha vontade estar viciada (por incapacidade acidental, por falta de consciência da declaração, por erro na declaração). É que é mesmo aterrorizante a hipótese de perder a vida contra a minha vontade. E, no limite, não me neguem o direito ao arrependimento.
Porque – insisto – me imagino em sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável ou fatal. E agora que se forma um quadro legal que me ameaça, eu peço (eu grito!). Se eu pedir a morte, duvidem de mim. Não desistam de mim!

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