sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Oh Vasco!


Que sensação desconfortável de orfandade, Vasco.
Só me ocorre vernáculo e negação. E mais vernáculo.
Porra, Vasco!
Sim, vou tratar-te por tu, que me entraste na intimidade das leituras e das irritações (como é próprio da intimidade).
Tantos, por aí, costumam fulanizar no Miguel (o MEC) ou no Paulo (o Portas) as suas origens. Eu também por lá andei, mas nem por isso.
Foste tu, Vasco (o VPV). Foste tu. Foi pelas tuas crónicas, pela tua língua afiada e até azeda, pela tua síntese impossível (e irritante) que eu corri até ao quiosque (no tempo em que eu corria até ao quiosque, que hoje é raro e já nem a passo).
É que tu tinhas o que me desafiava. Até os teus complexos e presunções (e a Igreja era injustiçada e vítima da tua ignorância, que a tinhas!) eu gostava de te ler. Porque eu gosto de discordar e tu também me davas esse prazer. Da política, à história, do ressabiamento ao caricato. Guardo memória de tanto, pá. Era no papel que brilhavas. Mas esse brilho também era alimentado pelo contraste da tua expressão. Afundado no sofá de copo na mão e cigarro na boca. O verbo difícil e confuso. A distância da realidade (não esqueço aquele debate com o José Magalhães, contigo todo atrapalhado sobre o salário mínimo nacional). Chego a imaginar o Francisco Sá Carneiro a pensar várias vezes «que luxo ter este louco ao meu lado!». E foi um luxo, seguramente. Como, para mim, foram centenas das tuas crónicas, do teu olhar nada convencional, das tuas previsões desafiantes, da tua coragem desligada de respeitos humanos (o que é e não é um elogio).
Mas queres um elogio? Eu dou-to com sinceridade e em absoluta incredulidade (estou em negação). Deixaste rasto. Não foi vã esta tua passagem. Serão poucos os que me merecem este elogio.
Eu sei que estou a ser rude e bruto, pá. Mas só me ocorre vernáculo. Não, caraças (caraças posso escrever?)! Partiste mesmo?
Oh Vasco!

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