segunda-feira, 19 de junho de 2017

Ilações de uma catástrofe (III)

Os fenómenos naturais têm o condão de nos convocar para a nossa frágil condição. Mas essa constatação – que, no meio da tragédia e do drama, tem o seu lado saudável – não deve servir (não pode!) para incensar responsabilidades. Ninguém pretenderá imputar os ventos descontrolados, as temperaturas de 40 graus e a trovoada seca (há sempre uma expressão técnica que, a cada catástrofe, entra para o léxico popular). Mas no terreno dos comportamentos, da educação, do planeamento, há seguramente muito por apurar. E, portanto, responsabilidades por atribuir.
Não há fenómeno natural que pacifique uma sã consciência cívica quando, em meia dúzia de horas, morrem mais de 60 pessoas. Não há chuva, não há vento, não há terramoto, que afaste enormes dúvidas sobre a nossa competência colectiva.
Exemplos de catástrofes «naturais» não faltarão por esse mundo fora. Exemplos de uma mortandade a esta escala, num tão curto espaço temporal, em condições «óptimas» como as que se anteviam, não se encontram.
Podemos falar da protecção civil, nos bombeiros, nas forças de segurança. Questionamo-nos como foi possível não se terem fechado à circulação aquelas estradas imediatamente. Suscitamos o debate sobre o modelo de exploração florestar e as espécies de árvores em que apostamos. Podemos discutir a opção de investimento desproporcionada em favor dos meios de combate e não das medidas de prevenção. Mas há ainda um outro debate que podemos e devemos fazer e que se coloca no terreno da educação. Lembro-me muitas vezes daquela criança americana que salvou a sua família no tsunami na ásia porque, ao olhar ao comportamento estranho da maré, se lembrou das aulas de ciências e avisou os pais de que estava a chegar um tsunami. Algum de nós aprendeu na escola a comportar-se num ambiente de catástrofe natural? Algum de nós sabe o que fazer se estiver no meio de um fogo? Alguém aprendeu regras básicas de controlo pessoal?
Não. Não!

Desculpem-me mas esta tragédia humana inimaginável não pode estacionar na nossa indignação estéril. E muito menos pode justificar-se nessa expressão sonsa de «causa natural». Muita coisa tem de mudar. Desde a escolha dos nossos protagonistas políticos, à política de prevenção e exploração florestal, passando naturalmente pela estratégia de protecção civil e de combate aos incêndios. E começando pelas escolas, onde valeria a pena investir no ensino básico. De regras de sobrevivência, por exemplo!

#Escritório

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